O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que só quando a seguradora incumpra, de forma abusiva e em violação dos mais elementares deveres de boa-fé, o seu dever de indemnizar, é que a mesma poderá ser condenada no pagamento de indemnização pelo dano resultante da privação do uso do bem.
O caso
Devido a picos de corrente, uma empresa viu o comando de uma máquina avariar-se, tendo acionado o respetivo seguro para que se procedesse à reparação da máquina.
A seguradora assumiu a responsabilidade e efetuou uma proposta para pagamento de 20.466,35 euros pela reparação, cujo custo ascendia a 54.243 euros, correspondentes ao custo de substituição do comando.
Situação que levou a que a máquina ficasse parada, a aguardar reparação, tendo a empresa recorrido a tribunal.
Este condenou a seguradora a proceder à reparação, suportando os respetivos encargos, deduzidos da franquia ou, caso não o fizesse, a pagar os encargos com essa reparação ao custo atual.
Condenou, ainda, a seguradora a pagar uma indenização pela paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficara inoperacional e até que a mesma fosse colocada a funcionar.
Inconformada, a seguradora recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC concedeu parcial provimento ao recurso, absolvendo a seguradora da obrigação de pagar uma indemnização pela paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficara inoperacional.
Decidiu o TRC que só quando a seguradora incumpra, de forma abusiva e em violação dos mais elementares deveres de boa-fé, o seu dever de indemnizar é que a mesma poderá ser condenada no pagamento de indemnização pelo dano resultante da privação do uso do bem.
Num contrato de seguro, à obrigação de pagar o prémio por parte do segurado contrapõe-se, como equivalente, por parte da seguradora, a promessa ou a assunção da obrigação de pagar a indemnização ou o capital convencionado.
Assim, em regra, não se trata de colocar um terceiro lesado na situação em que estaria se não tivesse ocorrido o sinistro, mas sim de entregar ao tomador do seguro uma quantia prevista contratualmente para o caso da coisa segurada vir a sofrer um dano. Ou seja, não existe uma obrigação de indemnizar em sentido próprio, isto é, de reparar um dano reconstituindo a situação que existiria se ele não tivesse ocorrido, dever esse emergente da prática de um ato gerador de responsabilidade civil extracontratual ou contratual.
Por conseguinte, na cobertura dos danos próprios, nos seguros de dano em coisa do próprio, está excluído do dever de indemnizar, neste tipo de obrigações, em consequência da mora, qualquer outro dano diverso do gerado pela simples indisponibilidade do dinheiro inerente à prestação pecuniária, nomeadamente o dano pela privação do uso do bem.
Sendo esta a regra à luz dos preceitos legais aplicáveis, podem ocorrer desvios à mesma, nomeadamente caso se prove que a seguradora incumpriu, de forma abusiva e em violação dos mais elementares deveres de boa-fé, o seu dever de indemnizar, na parte contratada. Ou seja, a seguradora, além da obrigação de pagamento da indemnização dos danos provocados pelo sinistro coberto pelo seguro, nas condições contratadas, se demora injustificadamente na resolução do caso, resultando dessa mora danos para o segurado, deve responder por essa falta de cumprimento. Esta solução não conflitua com as disposições consagradas no regime do contrato de seguro, porque não impõe à seguradora a cobertura de riscos além do que foi segurado, antes a responsabiliza pela reparação de um dano que decorre, não do sinistro, mas da inobservância da obrigação contratual de pagar pontual e atempadamente.
Daí que haja necessidade de alegação e prova da específica e concreta violação desses deveres. Há que apurar se a seguradora atuou em manifesto desrespeito pelos mais elementares deveres de lisura e boa-fé, fazendo-se valer de uma posição de superioridade, alicerçada na falta de consequências pela mora no cumprimento, além dos juros moratórios. Sendo com base nesse exercício abusivo de direito que se encontrará motivo para a sua condenação numa indemnização correspondente ao valor resultante dessa falta atempada de pagamento.
No caso, a seguradora não logrou demonstrar a existência de uma situação de subseguro, pelo que entendeu o TRC confirmar sua condenação em proceder à reparação da máquina ou ao pagamento de valor igual ao custo dessa reparação. No entanto, embora as partes não tenham chegado a entendimento quanto às propostas trocadas entre si, nem quanto ao valor final a indemnizar, nada indica que a seguradora tenha abusado do direito que a apólice lhe conferia, quer protelando o processo de averiguações e peritagens em ordem a apurar o valor dos prejuízos, quer retendo indevidamente em seu poder a indemnização destinada a repará-los. Razão pela qual não se justifica a sua condenação no pagamento de uma indemnização pela paralisação da máquina desde a data em que a mesma ficou inoperacional.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 1962/21.0T8LRA.C1, de 9 de janeiro de 2024
Regime Jurídico do Contrato de Seguro, artigo 130.º
Código Civil, artigos 406.º e 762.º