O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que deve ser extinto por inutilidade superveniente o inventário para partilha após divórcio sempre que as dívidas sejam superiores ao valor dos bens comuns e no decurso desse inventário venha a ser declarada a insolvência de um dos ex-cônjuges.
O caso
Na sequência do divórcio, a ex-mulher instaurou um processo de inventário contra o ex-marido para partilha dos bens comuns.
Devido à existência de várias dívidas, a ex-mulher acabou por ser declarada insolvente, tendo a sua metade do imóvel pertencente ao casal sido apreendida no âmbito do processo de insolvência.
As partes foram notificadas para se pronunciarem, tenho a juiz acabado por se decidir pela extinção do inventário, por impossibilidade de partilha, face à superioridade manifesta do passivo em relação ao ativo.
O ex-marido não concordou com essa decisão e dela recorreu para o TRC alegando que a extinção do processo de inventário o prejudicara ao impedir que fosse efetuada a venda da totalidade dos bens no processo de insolvência.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC negou provimento ao recurso, confirmando a decisão de extinção do processo de insolvência e considerando que esta em nada prejudicava o ex-marido.
Segundo o TRC, sempre que as dívidas relacionadas e aprovadas em inventário para partilha de bens comuns sejam superiores ao valor dos bens comuns, e quando no decurso desse inventário venha a ser declarada a insolvência de um dos ex-cônjuges, opera-se a inutilidade superveniente da instância de inventário.
Isto porque essas dívidas são, necessariamente, dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges, uma vez que só por estas respondem os bens comuns. Pelo que se os bens que integram o património comum do casal são insuficientes para ressarcir as dívidas desse mesmo património, já não há que salvaguardar a meação do cônjuge do executado, tornando-se inútil a separação de meações. Em consequência, o inventário perde a sua razão de ser e deve ser extinto.
Uma vez declarada a insolvência, qualquer direito de crédito passa a só poder ser exercido no processo de insolvência, ficando suspensas todas as diligências de caráter executivo relativas a bens da massa insolvente, o que obsta a que estes possam ser vendidos no processo de inventário.
Assim, não tendo o ex-casal ainda procedido à partilha de bens no momento em que é decretada a insolvência de um deles, tudo se passará, em termos patrimoniais e relativamente aos bens comuns, como se o casamento ainda não tivesse sido dissolvido, devendo os bens comuns ser apreendidos na sua totalidade e não apenas na proporção da metade pertencente ao ex-cônjuge insolvente.
Nessas circunstâncias, a lei acautelando a possibilidade do outro ex-cônjuge ir ao processo de insolvência reclamar que a sua meação nos bens comuns seja separada da massa insolvente. Mesmo que o não faça, poderá sempre o administrador da insolvência requerê-lo e essa separação ser ordenada pelo juiz.
Como tal, os direitos do ex-cônjuge não só não ficam coartados com a extinção do processo de inventário, como só podem ser exercidos no âmbito do processo de insolvência.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 5507/11.1TBLRA.C1, de 27 de maio de 2015
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, artigos 88.º, 90.º, 141.º e 144.º
Código Civil, artigo 1695.º n.º 1
Código de Processo Civil, artigo 287.º alínea e)