O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, na falta de prova em contrário, se presume abusivo o despedimento que seja decretado menos de um ano depois do trabalhador ter reclamado junto da sua entidade patronal por estar a ser vítima de discriminação em relação às condições de atribuição da viatura de serviço.
O caso
Em maio de 2004, um trabalhador oriundo do Porto foi contratado para desempenhar funções de delegado de informação médica na zona de Coimbra, tendo-se comprometido a passar a residir nessa cidade. Porém, no decurso do período experimental informou a empresa de que, por razões familiares, teria de se manter a residir no Porto, ficando acordado que pagaria as despesas de deslocação pessoais entre as duas cidades, assumindo a empresa todos os restantes custos com a viatura.
Em julho de 2008, o Diretor-Geral da empresa começou a pressioná-lo para assinar um acordo escrito no sentido de o responsabilizar pelo pagamento de 215,34 mensais, com a justificação de que a viatura tinha quilómetros a mais e de que essa situação levara à revisão e aumento da renda do contrato de locação. Como o trabalhador se recusou a assinar esse acordo, a empresa atribuiu-lhe um veículo de gama inferior à inicialmente prometida, para assim compensar o excesso de despesas suportado, e impediu que o trabalhador levasse a viatura para férias. Decidiu também retirar-lhe a isenção de horário de trabalho, o que justificou com a redução da atividade desempenhada pelo trabalhador, depois deste ter reclamado pelo pagamento de trabalho suplementar.
O trabalhador acabou despedido com fundamento na violação de acordos relativos à fixação da residência em Coimbra e de ter causado um prejuízo à empresa por não ter reembolsado o acréscimo de despesas com a viatura. Inconformado recorreu para tribunal pedindo para que o seu despedimento fosse declarado ilícito e exigindo o pagamento das retribuições em falta, do trabalho suplementar que prestara, da isenção de horário de trabalho que lhe fora retirada e uma indemnização pelos danos sofridos.
O tribunal declarou o despedimento ilícito e abusivo, condenando a empresa a pagar ao trabalhador uma indemnização fixada em 45 dias de retribuição base mensal ilíquida por cada ano completo ou fração de antiguidade, bem como as retribuições em falta, o trabalho suplementar e uma indemnização por danos não patrimoniais.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto (TRP) que condenou a empresa a pagar ao trabalhador também o subsídio de alimentação que este deixara de auferir desde o seu despedimento, reduzindo o valor do trabalho suplementar a pagar e fixando o trânsito em julgado da decisão como data de início para o cálculo dos juros devidos.
Discordando do teor do acórdão do TRP, o trabalhador recorreu para o STJ, o mesmo fazendo a empresa.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ decidiu que os juros deviam ser contados desde a data do vencimento de cada prestação e até ao trânsito em julgado da decisão e considerou não ser devido o subsídio de refeição nos salários intercalares, absolvendo a empresa do seu pagamento.
Quanto ao mais manteve a decisão recorrida, confirmando o caráter abusivo do despedimento que considerou como uma retaliação da entidade patronal face às reclamações apresentadas pelo trabalhador e à recusa deste em rever as condições acordadas para a utilização da viatura de serviço face à manutenção da sua residência no Porto.
Segundo o STJ, atua de forma abusiva o empregador que aplica uma sanção disciplinar a um trabalhador que exerce um direito próprio ou que desobedece a uma ordem ilegítima, ou reclama contra uma situação discriminatória. Como, em regra, é muito difícil ao trabalhador fazer prova da existência de uma intenção persecutória ou de retaliação, a lei faz presumir o carácter abusivo da sanção sempre que a sanção disciplinar seja aplicada até um ano após o trabalhador ter reclamado os seus direitos junto da entidade patronal.
Em resultado dessa presunção, inverte-se o ónus da prova do caráter abusivo da sanção aplicada, em benefício do trabalhador. Nesse sentido, o empregador, para ilidir a presunção legal, passa a ter de provar que a sanção disciplinar seria aplicada mesmo que o trabalhador não tivesse reivindicado os seus interesses.
Assim, na falta de prova em contrário, é de presumir abusivo o despedimento que seja decretado menos de um ano após o trabalhador ter reclamado por estar a ser vítima de discriminação no que respeita à atribuição da viatura de serviço.
Sendo que, para que se considere verificada a intenção persecutória ou de retaliação não é necessário que os direitos reclamados pelo trabalhador sejam juridicamente exigíveis. Isto porque, a especial censurabilidade da conduta da entidade patronal, no caso das sanções abusivas, radica no abuso do direito que resulta da utilização do poder disciplinar para fins diversos dos visados pelo legislador quando outorgou esse poder à entidade patronal, como sucede quando esta o utiliza não para sancionar verdadeiras infrações disciplinares mas para retaliar contra trabalhadores que ousaram reivindicar direitos que estavam convencidos que lhes assistiam.
Quanto à natureza retributiva das importâncias auferidas pelo trabalhador, o STJ rejeitou que a contribuição efetuada mensalmente pela empresa, em nome do trabalhador, para um fundo de pensões destinado a assegurar o pagamento de complementos de pensão de reforma por velhice ou invalidez constituísse uma parcela da retribuição auferida pelo seu trabalho, por não ser paga diretamente ao trabalhador nem corresponder a uma contrapartida pelo trabalho prestado.
O mesmo acontecendo em relação ao prémio de produtividade anual cuja atribuição esteja dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional do trabalhador, afastando, dessa forma, a existência de qualquer garantia antecipada do seu pagamento.
Resultando também provado que a viatura automóvel foi atribuída para uma utilização profissional e que o seu uso pessoal apenas foi tolerado pela entidade patronal, dentro de determinados limites, não pode essa utilização ser considerada como parte integrante da retribuição.
Igual conclusão retirou o STJ em relação ao uso do telemóvel e da internet quando a entidade patronal tenha estabelecido um limite mensal para a sua utilização, destinado a cobrir, em regra, as necessidades atinentes ao exercício da atividade profissional, suportando o trabalhador o respetivo pagamento sempre que excedesse esse plafond pré-determinado.
Quanto ao subsídio de alimentação, embora este assuma, na maioria dos casos, natureza regular e periódica, só é considerado retribuição na parte que exceda os montantes normalmente pagos a esse título, cabendo ao trabalhador fazer prova desse facto.
Por último, em relação ao juros devido sobre as retribuições intercalares, dispondo o empregador de todos os elementos necessários à liquidação das mesmas, devem aqueles ser calculados desde o vencimento das componentes retributivas que integram a respectiva compensação.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 373/10.7TTPRT.P1.S1, de 26 de maio de 2015
Código Civil, artigos 483.º, 494.º , 496.º e 805.º
Código do Trabalho, artigos 258.º, 260.º, 329.º, 331.º, 381.º, 389.º, 391.º e 392.º