O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que existe concurso efetivo de crimes entre o crime de corrupção, ativa e passiva, e o crime de falsificação, quando esta seja a forma de realização daqueles.
O caso
Uma empresa de segurança privada tinha para com a Administração Tributária uma dívida total, já em fase de execução fiscal, de cerca de 669.255,16 euros, que impediam que lhe fosse passada a certidão de inexistência de dívidas fiscais essencial para a obtenção do alvará para o exercício da sua atividade.
Por forma a ultrapassar essa situação, no início de 2008 a empresa, através da sua sócia gerente, combinou com o chefe da repartição de finanças que lhe pagaria uma viagem à Madeira para o filho deste e sua namorada a troco da emissão da declaração.
A viagem foi paga e a declaração emitida, dela constando que a empresa tinha a sua situação contributiva regularizada, estando a cumprir acordos de pagamento das suas dívidas, o que não correspondia à verdade.
Descoberta a situação, o chefe da repartição de finanças foi condenado a dois anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, a sócia gerente da empresa a 18 meses de prisão, também suspensa na sua execução, pela prática de um crime de corrupção ativa, e a empresa no pagamento de 180 dias de multa, à razão diária de 15 euros, pela prática de um crime de corrupção ativa.
O Ministério Público não concordou com o facto dos arguidos terem sido absolvidos da prática do crime de falsificação ou contrafação de documento, nem com o valor da multa aplicada à empresa, e recorreu da decisão para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE deu provimento ao recurso, condenando o chefe da repartição de finanças e a sócia gerente da empresa também pela prática dos crimes de falsificação de documento e agravando as respetivas penas, ao considerar que existe concurso efetivo de crimes entre o crime de corrupção, ativa e passiva, e o crime de falsificação, quando esta seja a forma de realização daqueles.
Segundo o TRE, esse concurso real de infrações existe porque são distintos os bens juridicamente tutelados pelos crimes de corrupção e de falsificação. Enquanto no crime de falsificação se protege a fé pública dos documentos ou a verdade intrínseca do documento enquanto tal, ou ainda a verdade da prova documental enquanto meio que consente a formulação de um juízo exato, relativamente a factos que possam apresentar relevância jurídica, no crime de corrupção visa-se evitar a lesão da autonomia intencional do Estado.
Como tal, não existindo na lei, disposição que ressalve o concurso da corrupção com a falsificação, esta enquanto meio de realização daquela, e não se verificando, entre elas, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção, terá de concluir-se que o agente que falsifica um documento e o usa, para conseguir obter uma vantagem ilícita, com a manipulação, no seu interesse, do aparelho de Estado, verificados todos os elementos essenciais do tipo legal de cada crime, comete, em concurso real, um crime de falsificação de documento e de um crime de corrupção.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 2231/10.6TASTB.E1, de 2 de junho de 2015
Código Penal, artigos 30.º, 256.º, 372.º, 373.º e 374.º