O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que comete um crime de abuso de confiança o legal representante de uma sociedade que não entregue aos trabalhadores as compensações remuneratórias recebidas da Segurança Social no âmbito do regime do lay off, afetando-as a outros fins.
O caso
Entre julho e dezembro de 2009 uma empresa de comércio de derivados de madeira esteve sob o regime de lay off por motivos de mercado na sequência do que suspendeu os contratos de trabalho com os seus trabalhadores.
Durante o período de lay off os trabalhadores tinham direito a receber uma compensação salarial mensal igual a dois terços do seu salário normal ilíquido a qual era remetida mensalmente pela Segurança Social para a empresa para que esta a entregasse aos seus trabalhadores.
Porém, por decisão do presidente e de um dos vogais do conselho de administração da sociedade, esta, em vez de entregar aos trabalhadores as importâncias recebidas da Segurança Social, utilizou-as para pagar outras dívidas da empresa.
Quando os trabalhadores regressaram ao serviço, depois de terminado o período de lay off, a empresa despediu-os, levando a que estes pedissem a insolvência da sociedade.
Em resultado do seu comportamento, o presidente e o vogal do conselho de administração da sociedade acabaram condenados no pagamento de multas pela prática de um crime de abuso de confiança.
Inconformado com a sua condenação, o vogal do conselho de administração da sociedade recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC confirmou a condenação ao considerar que comete um crime de abuso de confiança o legal representante de uma sociedade que não entregue aos trabalhadores as compensações remuneratórias recebidas da Segurança Social no âmbito do regime do lay off, afetando-as a outros fins.
O lay off consiste na redução temporária dos períodos normais de trabalho ou na suspensão dos contratos de trabalho, por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos ou outros, que tenham afetado gravemente a atividade normal da empresa desde que tal seja indispensável para assegurar a sua viabilidade e a manutenção dos postos de trabalho.
Durante o lay off a empresa fica obrigada a pagar aos trabalhadores uma compensação retributiva correspondente a dois terços da sua retribuição normal ilíquida, ou ao valor da retribuição mínima mensal garantida, correspondente ao seu período normal de trabalho, consoante o que for mais elevado, sendo a mesma paga em 30% pelo empregador e em 70% pela Segurança Social, por forma a garantir que os trabalhadores recebam, durante esse período, o mínimo essencial e básico à sua dignidade e condição.
A parte da compensação suportada pela Segurança Social é devida, apenas e tão só, aos trabalhadores, e não à sociedade, sendo esta mera intermediária ou depositária da mesma, ficando obrigada a entregá-la direta e pontualmente aos trabalhadores. Trata-se de uma obrigação da Segurança Social perante os trabalhadores e não perante a entidade patronal.
Assim sendo, a entidade patronal recebe a compensação remuneratória daquela instituição, não por direito próprio, mas antes por título não translativo da propriedade, e com obrigação de a transferir para a titularidade do trabalhador, posto que a mesma se destina ao pagamento da remuneração deste.
Não o fazendo e afetando as verbas recebidas a outros fins da sociedade, o respetivo representante legal comete um crime de abuso de confiança, visto este punir a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia que o agente detenha ou possua em nome alheio por lhe ter sido entregue por título não translativo da propriedade.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 216/10.1TAVNO.E1.C1, de 24 de junho de 2015
Código Penal, artigo 295.º
Código do Trabalho, artigo 305.º