O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que é de trabalho o contrato celebrado com um professor de musculação que, embora remunerado em função do número de horas de aulas ministradas, veja o seu trabalho organizado pela empresa e esteja obrigado a seguir o horário de aulas definido por esta, bem como as suas diretivas organizacionais e administrativas, a registar a hora de entrada e saída e a comunicar a sua ausência com antecedência, procedendo à sua substituição por outro professor e gozando de férias anuais não remuneradas.
O caso
Um professor de musculação celebrou um contrato de prestação de serviços com uma empresa encarregue de gerir equipamentos desportivos municipais.
O professor era pago em função do número de horas de aulas ministradas, dando aulas nas instalações da empresa, a qual definia o horário das aulas, estando aquele obrigado a registar a hora de entrada e saída.
O contrato durou cerca de 11 anos, altura em que o professor deixou de comparecer nas instalações da empresa, alegando ter sido despedido verbalmente.
Em consequência, recorreu a tribunal pedindo para que o seu despedimento fosse declarado ilícito e a empresa condenada a indemnizá-lo. Fê-lo defendendo que o contrato que celebrara devia ser qualificado como contrato de trabalho.
A ação foi julgada improcedente, depois do tribunal ter entendido que o professor não fizera prova nem de ter sido despedido nem de ter exercido a sua atividade sujeito à autoridade, direção e fiscalização da empresa. Inconformado com essa decisão, o professor recorreu para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG deu provimento ao recurso considerando que era de trabalho o contrato celebrado entre a empresa e o professor de musculação, por existir subordinação jurídica, na medida em que este exercera a sua atividade sujeito à autoridade, direção e fiscalização da empresa. Entendeu que a subordinação jurídica, que se traduz na existência de uma posição de supremacia de uma das partes perante a outra, é o elemento que, por natureza, permite concluir pela existência de um contrato de trabalho, sendo aferida pela ponderação da presença, na respetiva execução, de vários indícios de laboralidade.
Tais indícios prendem-se, entre outros, com a existência de horário de trabalho, a prestação da atividade em local previamente definido pelo empregador, a existência de controlo no exercício da atividade, a utilização de bens do beneficiário da atividade, a sujeição a poder disciplinar, a modalidade de retribuição, a atribuição de categoria profissional, o não recurso, pelo executante, a colaboradores externos, a repartição do risco, ou mesmo a observância de um ou outro regime fiscal e de segurança social.
Não é, contudo, imperativo que todos os indícios se verifiquem em cada caso, sendo suficiente que dos indícios presentes se possa, sem dúvidas razoáveis, concluir pela existência de um contrato de trabalho.
Nesse sentido, é de trabalho o contrato em que se evidencie a sujeição à autoridade do empregador e esteja patente que a prestação se desenrola mediante sujeição a ordens e instruções, integrada numa cadeia hierárquica, mediante remuneração atribuída em função do número de horas prestadas no mês sem que a calendarização esteja na livre disponibilidade do trabalhador, inexistindo autonomia e existindo submissão a diretivas organizacionais e administrativas.
É o que ocorre no caso de um professor de musculação cujo trabalho e respetivo horário sejam organizados pela empresa, esteja obrigado a seguir as diretivas organizacionais e administrativas desta, a registar a hora de entrada e saída e a comunicar a sua ausência com antecedência, procedendo à sua substituição por outro professor e gozando de férias anuais não remuneradas.
Não é suficiente para afastar a existência de uma relação laboral o facto do professor ser pago em função do número de horas ministradas, emitindo recibos verdes, estar coletado como profissional liberal, assegurar o seu próprio seguro de acidentes de trabalho e efetuar as suas contribuições para a segurança social como independente.
Isto porque esses fatores não podem sobrepor-se ao modo como se desenrola a prestação no dia-a-dia da empresa, pois é a partir daí que se deve aferir, em primeira linha, o tipo de contrato em presença.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 67/13.1TTBCL.P1.G1, de 14 de maio de 2015
Código Civil, artigo 1152.º
Código do Trabalho de 2003, artigos 10.º, 121.º e 150.º