O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que deve ser autorizada a busca domiciliária com vista à apreensão de fotografias ou filmes feitos pela arguida, quando o denunciante procedia ao corte de árvores num prédio rústico, que se revele indispensável à confirmação da existência de indícios da prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas, sem que tal constitua uma contração desproporcionada do direito à reserva de domicílio.
O caso
Um homem fez queixa de uma mulher por esta ter alegadamente tirado fotografias ou gravado filmes quando ele, junto com outros trabalhadores, cortava árvores existentes num prédio rústico. Na origem dessa situação estava um litígio entre a mulher e o filho do denunciante relacionado com o exercício do direito de preferência sobre esse mesmo terreno. Durante o inquérito foram prestados depoimentos que indiciaram como bastante provável que a mulher tivesse na sua posse as referidas fotografias ou vídeos.
Em consequência, o Ministério Público (MP) requereu a realização de uma busca domiciliária para apreensão dessas fotografias e eventuais filmes na posse da suspeita, defendendo que a mesma era indispensável à confirmação ou não da existência de indícios da prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas.
Mas o pedido foi indeferido pelo juiz de instrução que considerou que a realização da busca feria de forma desproporcionada o direito à reserva do domicílio em contraposição com a tutela do direito à imagem.
Inconformado com essa decisão, o MP interpôs recurso para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP concedeu provimento ao recurso decidindo que devia ser autorizada a busca domiciliária com vista à apreensão de fotografias ou filmes feitos pela arguida, por tal se revelar indispensável e não constituir uma contração desproporcionada do direito desta à reserva de domicílio. A entrada no domicílio sem o consentimento do seu titular só pode ser ordenada por autoridade judicial e nos casos e formas previstos na lei. Com efeito, com este meio de obtenção de prova, o legislador procurou criar um equilíbrio entre os bens jurídicos conflituantes, ou seja, a inviolabilidade do domicílio, por um lado, e a eficiência da justiça criminal, por outro.
Acontece que a eficiência da justiça criminal não tem consistência jurídica autónoma, corporizando-se, caso a caso, na eficácia da tutela de determinados valores protegidos pelas normas substantivas violadas, no caso concreto, a que criminaliza a violação do direito à imagem.
Este direito à imagem goza de proteção constitucional e penal que pode considerar-se idêntica à da reserva do domicílio.
Pelo que, não existindo elementos que permitam concluir que a denunciada captação de imagens se encontre ao abrigo na norma que dispensa o consentimento da pessoa retratada e constituindo a busca um meio de obtenção de prova devidamente balizado e regulado pela lei, por forma a reduzir ao mínimo a compressão do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar, concluiu o TRP que a sua realização não implica uma contração desproporcionada do direito fundamental à reserva do domicílio, devendo ser autorizada.
No entanto, tal não representa um juízo definitivo sobre a ilicitude da conduta da arguida e sobre a admissibilidade como prova em processo civil das imagens obtidas.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 78/15.2GAMCN-A.P1, de 14 de outubro de 2015
Constituição da República Portuguesa, artigos 18.º, 26.º n.º 1 e 34.º n.º 2
Código Civil, artigos 79.º n.º 2
Código Penal, artigos 190.º e 199.º
Código de Processo Penal, artigo 174.º