O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que o banco sacado e o banco tomador são solidariamente responsáveis pela reposição do dinheiro retirado da conta de um cliente devido ao pagamento de um cheque falsificado quando fique por provar que não era possível detetar a viciação do cheque.
O caso
Uma empresa de importação e exportação de produtos alimentares enviou, por correio, um cheque para pagamento a um fornecedor espanhol. O cheque foi enviado traçado com duas linhas paralelas e oblíquas no seu canto superior esquerdo, emitido com a menção não à ordem a favor do fornecedor.
Porém, em vez de ter sido depositado na conta deste, foi depositado noutra conta e adulterado, passando a conter a menção à ordem, depois de um assalto efetuado às caixas de correio dos CTT. Nem o banco no qual a empresa tinha conta nem o banco que procedera ao pagamento do cheque aceitaram qualquer responsabilidade pelo sucedido, tendo a empresa recorrido a tribunal. Mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual a empresa interpôs recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL concedeu provimento ao recurso, condenando os dois bancos a pagarem, solidariamente, à empresa lesada o valor do cheque indevidamente depositado.
Entendeu o TRL que quer o banco sacado quer o banco tomador tinham incumprido com os seus deveres para com a empresa cliente ao não atuarem com a diligência que lhes era exigida na deteção da falsificação do cheque depositado, procedendo ao seu pagamento.
Quanto ao banco tomador, ou seja aquele a quem são apresentados para cobrança cheques emitidos sobre outro banco, a sua eventual responsabilidade para com o cliente do banco sacado, porque é estranha a qualquer relação contratual de depósito ou de cheque, situa-se no campo da responsabilidade extracontratual.
Nesse sentido compete-lhe assegurar-se, de forma diligente, da regularidade do cheque que lhe é apresentado, devendo verificar se está regularmente preenchido e se existem ou não sinais de viciação. Mesmo quando o cheque seja depositado via ATM. E provar que o fez quando tenha procedido ao pagamento de cheque que se vem a revelar falsificado.
Em relação ao banco sacado este, por força da convenção de cheque, está vinculado aos deveres de proteção dos interesses e da confiança legítima do seu cliente, relativamente à segurança dos fundos pecuniários depositados à sua guarda, sendo de presumir a sua culpa no caso de ter procedido ao pagamento de cheque falsificado.
A sua responsabilidade é, assim, contratual, pelo que, compete ao banco ilidir essa presunção de culpa na violação da convenção de cheque, através da prova dos factos de onde se possa concluir que, usando da diligência que lhe era exigível, não podia ter dado pela viciação do cheque.
Sendo de todo irrelevante o facto de, por força das regras do sistema de compensação interbancária e face ao valor do cheque, não ter tido qualquer contacto com o cheque, ou com qualquer imagem do mesmo, antes ou aquando do respetivo pagamento.
Isto porque os direitos e deveres recíprocos dos bancos não são oponíveis nem afastam a responsabilidade individual de cada um deles relativamente aos seus clientes.
Assim, não estando provado que ao banco tomador não era possível detetar a viciação do cheque, ambos os bancos, sacado e tomador, são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento à cliente da quantia que foi indevidamente retirada da sua conta bancária e que não foi reposta.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2808/12.5TJLSB.L1-6, de 12 de novembro de 2015
Código Civil, artigo 799.º
Código Comercial, artigo 100.º