O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que o promitente comprador de um imóvel pode resolver o contrato promessa de compra e venda com fundamento do incumprimento definitivo da vendedora, independentemente de prova de que tenha perdido o interesse que tinha no negócio, quando aquela falte à escritura pública para a qual tinha sido validamente interpelada a comparecer.
O caso
Em abril de 2012, um particular celebrou com uma empresa um contrato promessa de compra e venda de um apartamento destinado a habitação, entregando 41.000 euros a título de sinal e passando a utilizar o imóvel.
Segundo o contrato, a escritura pública de compra e venda seria marcada pelo promitente comprador e celebrada no prazo máximo de 60 dias.
Posteriormente, as partes acordaram que a escritura pública seria celebrada no dia 17/04/2012, mas a empresa não compareceu.
Em janeiro de 2014, o promitente comprador enviou uma carta à empresa proprietária convocando-a para outorgar a escritura pública no dia 06/03/2014 e advertindo-a de que se tal não acontecesse, perderia definitivamente o interesse na aquisição, considerando definitivamente incumprido o contrato.
A empresa voltou a não comparecer, levando a que o promitente comprador recorresse a tribunal exigindo a devolução do sinal em dobro e mais 10.000 euros pelas benfeitorias que tinha realizado no imóvel, uma vez que pintara as paredes, instalara móveis e equipamentos de cozinha, móveis na casa de banho, candeeiros e cortinados.
Entretanto o prédio foi registado em nome de um banco, mas, ainda assim, a ação foi julgada improcedente, decisão com a qual o promitente comprador não se conformou e da qual recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE concedeu provimento ao recurso, considerando incumprido o contrato promessa, condenando a empresa a devolver o sinal em dobro, acrescido de juros, e reconhecendo ao promitente comprador o direito de retenção sobre o imóvel até que aquele fosse pago.
Entendeu o TRE que o contrato promessa fora definitivamente incumprido com a falta da promitente vendedora à escritura agendada pelo promitente comprador, e que para o facto era irrelevante apurar se este perdera verdadeiramente o seu interesse no contrato.
A lei permite que o credor resolva o contrato quando, devido à mora do devedor, perca o interesse que tinha na prestação. Em alternativa a essa perda de interesse, o credor pode transformar a mora do devedor em incumprimento interpelando-o para realizar a prestação num prazo que for, razoavelmente, fixado pelo credor, sob a cominação de, não o fazendo, a mora ser convertida em incumprimento definitivo do contrato. Neste caso, é irrelevante que tenha ou não havido perda de interesse do credor.
Ora, o mero decurso do tempo que dure a mora é, por si só, insuficiente para que o credor resolva o contrato com fundamento na perda de interesse na prestação. Este terá sempre que explicar quais as mudanças que esse tempo ocasionou e que justifiquem essa sua perda de interesse.
Assim, havendo apenas mora, um mero passar do tempo insuficiente para fundamentar a perda de interesse do credor, este só poderá resolver o contrato convertendo da mora em incumprimento definitivo.
Para esse feito, constitui interpelação admonitória válida aquela na qual o credor fixe um prazo razoável de dois meses para a outorga da escritura de compra e venda, sendo inequívoco quanto às consequências da não comparência do devedor na data agendada, valendo a mesma como incumprimento definitivo na sequência do qual perderia o interesse na aquisição do referido imóvel.
O facto das partes terem estipulado no contrato promessa que a marcação da escritura pública deveria ser comunicada pela promitente comprador à promitente vendedora através de carta registada com aviso de receção, não obriga a que a interpelação admonitória tenha também de ser feita com aviso de receção, uma vez que este, sendo um benefício para o remetente e não para o destinatário, não constitui uma formalidade essencial da declaração nem a sua omissão a invalida.
Havendo incumprimento definitivo do contrato por parte da promitente vendedora, pode o promitente comprador exigir a devolução do sinal em dobro, mesmo quando o imóvel lhe tenha sido antecipadamente entregue, uma vez que pode sempre optar entre essa devolução ou exigir indemnização com base no valor do imóvel prometido vender.
O que não pode é exigir indemnização pelas benfeitorias realizadas no imóvel com base na realização de pinturas nas paredes, quando se desconheça o motivo pelo qual essas pinturas foram feitas, bem como pela instalação de móveis e equipamentos de cozinha, móveis na casa de banho, mobília, candeeiros e cortinados.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 974/14.4TBLLE.E1, de 21 de janeiro de 2016
Código Civil, artigos 216.º, 442.º e 808.º