O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que para que se considere praticado o crime de ameaça não é necessário que o mal anunciado tenha provocado no visado efetivo medo, receio ou justificada inquietação, bastando que seja apto a afetar ou lesar a paz individual ou a liberdade de determinação da pessoa ameaçada.
O caso
No âmbito de um conflito relacionado com a guarda de uma criança, uma mulher dirigiu-se na rua a outra dizendo-lhe que a amiga desta lhe tinha roubado a menina, da qual era tia-avó, e que ela a matava.
Ameaças que a mulher transmitiu à amiga que ficou com medo do que lhe pudesse acontecer.
Nesse mesmo dia, a mulher agrediu a outra, quando esta tinha a criança ao colo, atirando-a ao chão e puxando-a pelo pescoço e pelos cabelos.
Em consequência, a mulher acabou condenada no pagamento de uma multa, pela prática dos crimes de ofensa à integridade física e de ameaça agravada, e de uma indemnização à vítima.
Inconformada com essa decisão, a arguida recorreu para o TRE defendendo que ficara por provar que tivesse provocado qualquer medo ou receio na vítima que pudesse justificar a prática de um crime de ameaça.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra a condenação, ao decidir que para que se considere praticado o crime de ameaça não é necessário que o mal anunciado tenha provocado no visado efetivo medo, receio ou justificada inquietação, bastando que seja apto a afetar ou lesar a paz individual ou a liberdade de determinação do ameaçado.
Segundo o TRE, no crime de ameaça, o que está em causa é um ataque ou afetação ilícita da liberdade individual, em que o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de ação. Sendo que desde 1995 que o crime de ameaça deixou de ser um crime de resultado e de dano para passar a ser um crime de mera ação e de perigo concreto, não sendo necessário, para a sua consumação, que se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afetada a liberdade de determinação do ameaçado, bastando que a ameaça seja suscetível de afetar ou de lesar a sua paz individual ou liberdade de determinação.
Além disso, a mensagem ameaçadora pode ser transmitida diretamente ou por interposta pessoa, que depois, por alguma razão, a transmita ao visado.
Como tal, comete o referido crime quem, num contexto referente à guarda de uma menor e com o propósito de provocar noutra pessoa medo e receio pela vida, se dirige a uma amiga desta dizendo que a matava, bem sabendo que, em virtude da relação de amizade existente entre as duas, aquela lhe transmitiria a referida expressão e ameaça.
Sendo essa expressão apta a gerar receio e intranquilidade na pessoa visada, é de todo indiferente, para que haja crime, que se tenha provado ou não que, de facto, esta tenha ficado com medo de que as ameaças fossem concretizadas e a recear pela sua vida.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 425/13.1GEBNV.E1, de 2 de fevereiro de 2016
Código Penal, artigos 153.º e 155.º