O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que não comete os crimes de difamação e injúria o médico que, depois de assistir de urgência um homem vítima de acidente de viação, refere no seu relatório que o mesmo se apresentara aparentemente alcoolizado, tendo o teste de alcoolemia revelado a inexistência de álcool no sangue.
O caso
Depois de ter sofrido um acidente de viação, um homem teve de se deslocar ao serviço de urgência de um hospital onde o médico que o assistiu indicou no relatório que o mesmo se apresentara como estando aparentemente alcoolizado.
Situação que não se veio a confirmar, uma vez que o homem acusou uma taxa de 0,00 g/l.
Ao tomar conhecimento do teor do relatório elaborado pelo médico, o homem sentiu-se profundamente ofendido tendo formulado uma queixa crime contra o médico, por difamação e injúria, e reclamado o pagamento de uma indemnização.
O médico acabou por ser absolvido, decisão da qual foi interposto recurso para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE negou provimento ao recurso, confirmando a absolvição, ao decidir que ficara por provar que o médico tivesse agido com intenção de ofender o paciente e que a expressão utilizada, no contexto em que o fora, não era relevante a ponto de constituir crime.
Entendeu o TRE que não existe erro notório na apreciação da prova quando se considere provado que o médico, no exercício da sua profissão, incluiu a expressão “aparentemente alcoolizado” num relatório técnico reservado a profissionais de saúde, referindo-se a doente que observou em episódio de urgência hospitalar, e, simultaneamente, como não provada a existência de dolo.
É que o dolo não se presume, estando perfeitamente justificada a utilização daquela expressão pelo médico, na medida em que se trata de uma avaliação subjetiva, assente na observação direta do paciente, não definitiva e de âmbito estritamente clínico, com total reserva em relação a terceiros.
Além disso, afirmou o TRE que mesmo do ponto de vista objetivo, a expressão utilizada, no contexto em que o foi, não assume a relevância necessária para que possa constitui crime.
Embora se apresente como imputação de algo desagradável, a lei visa tutelar a dignidade e o bom-nome dos visados e não a sua mera suscetibilidade ou melindre.
Nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis, tendo a expressão que ser apreciada não de forma isolada, mas no âmbito do contexto e das circunstâncias em que foi proferida, para apreciar se atingiu ou não a pessoa visada de forma a ofender o seu bom nome e a merecer a tutela penal.
O que não ocorre na situação em causa, tendo em conta as circunstâncias em que o médico concluiu que o paciente se apresentara aparentemente alcoolizado e o facto dessa expressão ter sido incluída num relatório clínico, confidencial e, por natureza, não acessível a terceiros.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 819/13.2TASTR.E1, de 29 de março de 2016
Código Penal, artigos 180.º e 181.º