O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que não comete um crime de desobediência quem recuse submeter-se à realização do teste de deteção de álcool no sangue na sua residência, cerca de duas horas depois de ter ocorrido o acidente de viação e de ter abandonado o veículo no local.
O caso
Depois de ter sofrido um acidente de viação, um homem abandonou o veículo no local, tendo, cerca de duas horas depois, sido abordado em casa por dois militares da GNR que lhe ordenaram que procedesse à realização do teste de deteção de álcool no sangue o que ele recusou, apesar de advertido de que essa recusa o faria incorrer na prática do crime de desobediência.
Em consequência, o homem acabou condenado, como autor material de um crime de desobediência, numa pena de quatro meses de prisão, substituída por multa.
Inconformado com essa decisão, o condutor recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC concedeu provimento ao recurso ao decidir que não comete um crime de desobediência quem recuse submeter-se à realização do teste de deteção de álcool no sangue na sua residência, cerca de duas horas depois de ter ocorrido o acidente e de ter abandonado o veículo no local.
A lei obriga os condutores a submeterem-se à realização do teste de deteção de álcool e de substâncias psicotrópicas no sangue, sob pena de, recusando-se a fazê-lo, serem punidos por crime de desobediência.
Porém, para esse efeito, só pode ser considerado condutor a pessoa que estando a conduzir seja mandada parar por agente da autoridade, a pessoa que não obedecendo à ordem de paragem seja perseguida e venha a ser intercetada em momento posterior ou, ainda, a pessoa que, como condutor, tenha sido interveniente em acidente de viação e, ainda no local do acidente, tenha sido fiscalizada por agente da autoridade.
De comum estes casos têm o facto de existir um preciso nexo que se expressa e se mantém entre o ato da condução e a fiscalização efetuada pelo agente da autoridade, sem que outras atividades da vida comum se interponham, posto que o que está em causa é verificar se o condutor estava ou não sob o efeito do álcool.
Exige-se, assim, uma atualidade da condução no momento em que o condutor é convocado para fazer o exame de alcoolemia, sem a qual não pode considerar-se obrigado a realizá-lo.
Não sendo atual a condução sempre que a fiscalização tenha sido efetuada em circunstâncias que não permitam concluir que a eventual ingestão de álcool foi anterior ou contemporânea da condução ou que a pessoa objeto de fiscalização conduziu efetivamente sob o efeito do álcool.
É o que ocorre quando o condutor se tenha recusado a submeter-se à realização do teste de álcool no sangue cerca de duas horas depois de ter sofrido o acidente de viação e quando já se encontrava em sua casa, depois de ter abandonado a viatura no local do acidente.
Situação na qual não é possível considerar que, muito embora interveniente num acidente de trânsito, estivesse obrigado a sujeitar-se a teste de pesquisa de álcool no sangue, por não estar verificada a manutenção da atualidade do ato de condução, e consequentemente, que a ordem que lhe foi dada nesse sentido fosse legítima. E não sendo a ordem legítima não pode o condutor ser condenado por ter praticado um crime de desobediência, quando se recusou a efetuar o teste.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 107/15.0GTVRL.C1, de 7 de abril de 2016
Código da Estrada, artigos 152.º e 156.º
Código Penal, artigo 348.º