O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que quando ambos os elementos do casal tenham sido declarados insolventes e tenham pedido a exoneração do passivo restante, cada um deles tem direito a ficar com um montante igual ao salário mínimo nacional, não existindo fundamento legal que permita que, nessas situações, seja atribuído um valor global a ambos que, desde que superior ao salário mínimo nacional, possa ser considerado propiciador de um nível de vida minimamente digno.
O caso
Depois de ambos terem sido declarados insolventes, um casal de idosos pediu a exoneração do passivo restante, tendo o juiz fixado o valor global de 750 euros com o qual podiam ficar para fazer face às suas despesas mensais, devendo ceder tudo o mais à fiduciária, para pagamento aos credores, considerando que esse valor era suficiente para assegurar a sua existência condigna.
Como ele recebia uma pensão de velhice no valor de 442,40 euros e ela uma pensão de velhice no valor de 519,72 euros, e tinham de fazer face a despesas regulares, com alojamento, energia, água, telecomunicações e medicamentos, entre os 400 e 500 euros mensais, o casal recorreu dessa decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) defendendo que 750 euros mensais não eram suficientes para assegurar uma sobrevivência com o mínimo de dignidade, e que esse valor deveria ser equivalente a um salário mínimo nacional por cada um deles.
Mas o TRG julgou improcedente o recurso, decisão da qual os insolventes recorreram para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu provimento ao recurso, fixando como quantia indispensável ao sustento digno de ambos os insolventes o montante de 1.010 euros mensais, correspondente a dois salários mínimos nacionais, ficando os mesmos obrigados a entregar ao fiduciário, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, todo o rendimento que ultrapassasse esse valor.
Diz a lei que, quando seja concedido ao insolvente a exoneração do passivo restante, este fica, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, obrigado o ceder ao fiduciário, para pagamento aos credores, todo o rendimento que venha auferir, com exceção do que seja razoavelmente necessário para o seu sustento minimamente digno, e do seu agregado familiar, tendo com limite o valor correspondente a três vezes o salário mínimo nacional.
Aludindo a lei ao salário mínimo nacional para definir o limite máximo isento da cessão do rendimento disponível, deve também atender-se a esse salário mínimo nacional para, no caso concreto, saber, a partir dele, qual o valor que se deve considerar compatível com o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.
Assim, e em regra, o salário mínimo nacional será o limite mínimo de exclusão dos rendimentos, no contexto da cessão de rendimentos pelo insolvente a quem foi concedida a exoneração do passivo restante, o que significa que nenhum devedor poderá ser privado de um valor igual ao salário mínimo nacional, sob pena de não dispor de condições mínimas para desfrutar uma vida digna.
Mesmo quando ambos os elementos do casal tenham sido declarado insolventes, uma vez que não existe fundamento legal que permita que, nessas situações, seja atribuído um valor global a ambos que, desde que superior ao salário mínimo nacional, se deva considerar propiciador de um nível de vida minimamente digno.
Pese embora se deva considerar que a economia familiar importa uma peculiar gestão dos rendimentos auferidos, a cada um dos insolventes deve ser atribuído um montante igual ao salário mínimo nacional pois só assim lhes é assegurada uma vivência compatível com a dignidade humana.
Aliás, não seria justo nem equitativo que, só pelo facto de terem requerido em conjunto a insolvência e a exoneração, lhes fosse atribuído um valor em comum, inferior ao que lhes seria assegurado se o tivessem feito de forma autónoma e em separado.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 3562/14.1T8GMR.G1.S1, de 2 de fevereiro de 2016
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, artigos 1.º, 46.º, 235.º, 236.º, 238.º e 239.º
Constituição da República Portuguesa, artigos 1.º, 59.º e 63.º