O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que não pode exigir o pagamento dos consumos irregulares de eletricidade nem interromper o fornecimento de energia elétrica a entidade fornecedora que, depois de detetar a existência de fraude no contador, não tenha entregue de imediato ao consumidor cópia do auto de vistoria nem o tenha informado dos seus direitos, nomeadamente de que poderia requerer a realização de outra vistoria junto da Direção-Geral de Energia.
O caso
Uma empresa proprietária de um estabelecimento de padaria, pastelaria e salão de chá foi surpreendida pelo envio de uma fatura de eletricidade no valor de 32.734,81 euros.
Estranhando o valor elevado da fatura a empresa contactou o fornecedor de energia elétrica tendo sido informada de que a quantia reclamada se devia a uma alegada manipulação indevida do contador que fora detetada aquando da realização de uma inspeção ao mesmo, realizada na presença da mãe do sócio-gerente e esposa do outro sócio da empresa. Tendo, apenas nesse momento, recebido cópia do respetivo auto de vistoria.
A empresa negou-se a proceder ao pagamento da fatura, negando que tivesse praticado qualquer procedimento fraudulento, e recorreu a tribunal pedindo para que fosse reconhecida e declarada a inexistência ou subsistência de qualquer direito da empresa fornecedora em reclamar o pagamento da fatura e, consequentemente, de suspender ou interromper o fornecimento de energia elétrica.
Após recurso para o Tribunal da Relação, a ação foi julgada integralmente procedente, decisão com a qual o fornecedor de energia elétrica não concordou e da qual recorreu para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, ao decidir que a entidade fornecedora de energia elétrica não respeitara o dever de informação que tinha perante o consumidor
Sempre que seja detetado um procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica fornecida, a lei faz impender sobre a entidade fornecedora diversos deveres para que possa corrigir as leituras e o valor devido pelo consumidor, bem como interromper o fornecimento de energia elétrica.
Entre esses deveres destacam-se os de dar notícia, em auto suficientemente descritivo, dos elementos que no seu entender constituem a prática manipuladora, deturpadora e viciante da medição da energia elétrica, entregar e deixar cópia do auto de ocorrência, fornecer os elementos de prova eventualmente recolhidos, impedir que se processe uma interrupção do fornecimento de energia sem que o consumidor tenha sido notificado, por escrito, do valor presumido do consumo regularmente e informar obrigatoriamente o consumidor dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direção-geral de energia a realização de outra vistoria.
Deveres estes que se justificam pela necessidade de proteger o consumidor, designadamente tendo em conta que, por força da lei, se presume que foi ele o autor da fraude.
Não podendo a entidade fornecedora furtar-se ao cumprimento desses seus deveres de informação, não só relativamente à vicissitudes mecânicas que determinaram o estropiamento do equipamento mas também das consequências da fraude e dos direitos que o consumidor tem ao seu dispor para obstar a essas mesmas consequências.
Razão pela qual, não tendo sido imediatamente entregue ao consumidor cópia do auto de vistoria nem o mesmo sido informado dos seus direitos, nomeadamente de que poderia requerer a realização de outra vistoria junto da Direção-Geral de Energia, verifica-se uma violação dos deveres de informação que impedem sobre o fornecedor, que obstam a que este possa exigir o pagamento dos consumos irregulares de eletricidade e interromper o fornecimento de energia elétrica.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1929/13.1TBPVZ.P1.S1, de 10 de maio de 2016
Decreto-Lei n.º 328/90, de 22/10, artigos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º