O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, em caso de violação dos deveres conjugais, o cônjuge lesado tem direito a uma indemnização pelos danos sofridos em consequência dessa violação, independentemente da dissolução do casamento por divórcio e mesmo na constância do matrimónio, nos termos gerais da responsabilidade civil.
O caso
Casada desde 1967, uma mulher recorreu a tribunal pedindo para que o marido fosse condenado a indemnizá-la por, ao longo da relação, ter violado os seus deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Fê-lo alegando que, em 1982, o marido saíra da casa para ir viver para o Luxemburgo, deixando-a, a ela e às duas filhas, sem qualquer suporte financeiro.
Nove meses depois, o marido regressou a casa, onde se manteve até ao ano 2000, mas fazendo saídas noturnas esporádicas, com chegadas a horas tardias, sem dar qualquer satisfação à mulher. E nesse ano voltou a sair de casa, por ter outros relacionamentos amorosos, dando mensalmente à mulher entre 650 e 850 euros. Durante esse período, ia regressando a casa, quando lhe apetecia, designadamente na época natalícia, tendo chegado a passar férias de verão com a mulher. Situação que apenas cessou em 2011, quando o marido pediu o divórcio.
O tribunal julgou parcialmente a ação, condenando o marido a pagar uma indemnização à mulher, a título de danos não patrimoniais, no valor de 33.000 euros. Três mil euros por cada um dos 11 anos em que o homem, embora casado, não vivera com a mulher e tivera vários relacionamentos amorosos.
Inconformado com essa decisão, o marido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a decisão recorrida, absolvendo-o, depois de considerar prescrito o direito de indemnização relativamente às condutas ocorridas mais de três anos antes da propositura da ação e que a mulher, perante as primeiras violações dos deveres conjugais, devia ter pedido o divórcio e que, não o tendo feito, não podia agora reclamar o pagamento de uma indemnização.
Foi, então, a vez da mulher recorrer para o STJ insistindo no seu direito a ser indemnizada pelos danos que sofrera em resultado do comportamento do marido.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu parcial provimento ao recurso, condenando o marido a pagar uma indemnização à mulher no valor de 15.000 euros pelos danos não patrimoniais que lhe causara com a violação grave e sistemática dos deveres conjugais.
Decidiu o STJ que, em caso de violação dos deveres conjugais, o cônjuge lesado pode pedir indemnização pelos danos sofridos em consequência dessa violação, desde que se verifiquem os demais requisitos consubstanciadores da responsabilidade civil.
Segundo o STJ, as alterações introduzidas em 2008 ao regime de divórcio vieram reforçar a tese que defende a possibilidade de o cônjuge lesado por danos resultantes da violação dos deveres conjugais ser indemnizado, em ação autónoma à do divórcio, mesmo durante o casamento, nos termos gerais da responsabilidade civil. Isto apesar de se ter acabado com o divórcio-sanção, que se fundava na violação dos deveres conjugais, uma vez que a lei continua a enunciar esses deveres, que, assim, continuam a merecer tutela.
Por sua vez, a jurisprudência tem mantido a linha que vinha seguindo, no sentido de admitir essa tutela, nomeadamente em sede de indemnização por danos não patrimoniais, desde que estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Assim, segundo o STJ, não existem grandes dúvidas de que, pelo menos nos casos de violação simultânea dos deveres conjugais e da tutela da personalidade, o mesmo é dizer, da violação dos direitos de personalidade ainda que através da violação dos direitos conjugais, assista ao cônjuge lesado o direito a ser indemnizado pelos danos daí decorrentes nos termos gerais da responsabilidade civil.
O facto de o cônjuge lesado não ter pedido o divórcio logo perante as primeiras violações dos deveres conjugais não representa uma atitude de perdão ou de renúncia aos direitos de indemnização, sendo mesmo compreensível essa passividade quando esteja em causa uma situação de dependência económica em relação ao marido.
Concluiu, assim, o STJ que a conduta do cônjuge marido que, após largos anos de vida conjugal em comum, abandona o lar conjugar para ter outros relacionamentos amorosos, com a agravante de regressar episodicamente a casa sempre que lhe apetecia, além de violadora do dever de fidelidade, de coabitação e de cooperação, revela também uma expressiva violação do dever de respeito pela mulher, ofensiva da sua dignidade pessoal e de cônjuge, com desprezo pela sua autoestima.
Nestas circunstâncias, segundo os ditames da experiência comum, bem se compreende que ela tenha sofrido grande mágoa, perdendo a alegria de viver, tornando-se uma pessoa triste, deprimida, vivendo fechada em casa, e obrigando-a a recorrer a apoio psiquiátrico. Danos esse que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e justificam o pagamento de uma indemnização.
Todavia, na falta de prova de que a mulher tenha ficado a sofrer de uma patologia depressiva profunda e de que o seu estado psíquico se tenha agravado ao longo dos anos, deve o valor da indemnização ser fixado não em 33.000 euros mas apenas em 15.000 euros.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 2325/12.3TVLSB.L1.S1, de 12 de maio de 2016
Código Civil, artigos 70.º n.º 1, 217.º, 483.º n.º 1, 494. 496.º, 1577.º, 1671.º, 1672.º, 1778.º, 1781.º e 1792.º