O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que, para poder beneficiar da suspensão decretada até 31/12/2014 das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho anteriores a 01/08/2012, que consagravam um regime mais favorável ao trabalhador em matéria de retribuição do trabalho prestado em dia feriado, uma empresa de segurança privada está obrigada a provar os factos necessários para concluir que se trata de uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
O caso
Depois de denunciar o seu contrato de trabalho, em outubro de 2014, um vigilante ao serviço de uma empresa de segurança privada recorreu a tribunal exindo o pagamento de créditos laborais que a empresa deixara por pagar.
Em causa estava o pagamento do diferencial em falta respeitante a férias e respetivo subsídio, o pagamento de trabalho suplementar desenvolvido ao longo de todo o vínculo laboral e o pagamento do trabalho prestado em dia feriado e em dia de descanso semanal complementar, bem como o correspondente ao descanso compensatório não gozado.
A ação foi julgada totalmente procedente e a empresa condenada a pagar os valores reclamados pelo trabalhador, decisão com a qual não se conformou, tendo recorrido para o TRP.
Fê-lo alegando, em relação ao pagamento do trabalho prestado nos feriados, que, por se tratar de uma empresa de segurança privada, não estava obrigada a suspender o seu funcionamento em dia feriado e, face às alterações ocorridas em 2012, em matéria de direito laboral, não era de aplicar o disposto na convenção coletiva de trabalho, por a mesma estar suspensa, mas sim o regime menos favorável previsto no Código do Trabalho.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP negou provimento ao recurso, confirmando a condenação da entidade patronal, ao decidir que para poder beneficiar da suspensão decretada até 31/12/2014 das disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho anteriores a 01/08/2012, que consagravam um regime mais favorável ao trabalhador em matéria de retribuição do trabalho prestado em dia feriado, a empresa de segurança privada estava obrigada a provar os factos necessários para concluir que se tratava de uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
Os feriados obrigatórios previstos na lei são dias em que deve ser normalmente suspensa a laboração nas empresas, com a consequente suspensão do trabalho e encerramento dos serviços.
Porém, a partir de 2003, o trabalho prestado em dia feriado passou a estar sujeito a dois regimes distintos: um regime regra, aplicável às empresas legalmente não dispensadas de suspenderem o trabalho em dia feriado e um regime especial, aplicável às empresas legalmente dispensadas de suspender o trabalho em dia feriado obrigatório.
Sendo que as normas reguladoras desses dois regimes podiam ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que fosse mais favorável ao trabalhador, uma vez que nelas nada era referido que pudesse afastar essa possibilidade.
Só que a reforma laboral de 2012, para reduzir os custos com o trabalho, veio declarar nulas todas disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor que dispusessem sobre descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado. E, também, a suspensão por um período de dois anos, até 31/12/2014, das disposições desses instrumentos de regulamentação coletiva que dispusessem sobre a retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.
Embora a primeira dessas alterações tenha sido declarada inconstitucional, a segunda manteve-se em vigor, mas para que essa suspensão possa ser considerada é necessário que a empresa que a invoque alegue e prove ser uma empresa não obrigada a suspender o funcionamento em dia feriado.
Não o fazendo, é de manter a aplicação das cláusulas previstas nos instrumentos de regulamentação coletiva e do consequente regime mais favorável ao trabalhador em matéria de trabalho prestado em dia feriado.
Sendo que o mero facto de se tratar de uma empresa de segurança privada não significa, por si só, que se trate de uma empresa que não está obrigada a suspender o seu funcionamento pois, se assim fosse, tal significaria necessariamente que todas as empresas que prosseguem a atividade de prestação de serviços de segurança privada não estão obrigadas, numa exceção à regra geral, a suspender o funcionamento em dia feriado, e não é esse o caso.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 7467/15.0T8PRT.P1, de 20 de junho de 2016
Código do Trabalho, artigos 3.º, 234.º, 236.º e 269.º
Código do Trabalho de 2003, artigo 259.º
Lei 23/2012, de 25/06, artigo 7.º n.º 4 alínea b)
Contrato Coletivo celebrado entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e outras e o STAD- Sindicato dos trabalhadores dos serviços de portaria, vigilância, limpeza, domésticas e atividades diversas e outros, publicado no BTE n.º 17/2011, cláusulas 25.º e 26.º