O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que o incumprimento, por parte do hospital, do dever de informar a paciente, antes de realizar uma segunda cirurgia complementar à primeira, que os custos respeitantes à mesma teriam de ser por ela assegurados, e do montante desses custos, não afasta a responsabilidade da paciente pelo pagamento do custo dessa segunda intervenção.
O caso
Necessitada de se submeter a uma intervenção cirúrgica à coluna vertebral, uma paciente foi operada num hospital privado, ao abrigo do seguro de saúde que tinha contratado.
Porém, depois de realizada a operação, foi necessário realizar uma segunda intervenção cirúrgica para reposicionar um parafuso que se veio a verificar que não estava bem posicionado.
O hospital não consultou previamente a seguradora sobre a realização dessa segunda cirurgia e, como o seguro de saúde apenas cobria despesas até 10.000 euros e o custo de ambas as intervenções cirúrgicas ascendeu a 16.591,77 euros, exigiu o pagamento da diferença junto da paciente.
Esta recusou-se a pagar defendendo que não lhe podia ser imputado o custo da segunda intervenção realizada para corrigir o que tinha sido feito de mal na primeira e que nunca fora informada do respetivo custo, nem confrontada com necessidade de assegurar o seu pagamento, antes de a mesma ser realizada
O litígio seguiu para tribunal que decidiu a favor do hospital, condenando a paciente a proceder ao pagamento do valor em dívida. Inconformada, esta recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL negou provimento ao recurso, apenas alterando o momento a partir do qual deviam ser contados os juros de mora, ao decidir que, embora o hospital tivesse incumprido com o seu dever de informar a paciente dos custos da segunda cirurgia, previamente à sua realização, esse incumprimento não afastava a obrigação da paciente pagar o respetivo preço.
Segundo o TRL, sendo as obrigações médicas de tratamento meras obrigações de meios e não de resultado, o facto de ter sido necessário realizar uma segunda cirurgia, para reposicionar um parafuso que ficara mal posicionado, não permite concluir que esse mau posicionamento inicial do parafuso tenha resultado de um erro do médico-cirurgião e que este deva ser responsabilizado pelo pagamento do custo da sua realização.
E o facto de o hospital não ter promovido a obtenção antecipada de termo de responsabilidade para a realização da segunda cirurgia também não o constitui em responsabilidade perante a paciente, nem afasta a eventual responsabilidade desta pelo pagamento dos custos da cirurgia.
No entanto, segundo a lei, o prestador de serviços de saúde tem o dever de informar de forma clara, objetiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.
Assim, estava o hospital obrigado a informar a paciente, antes de realizar a segunda cirurgia, que os custos respeitantes à mesma teriam de ser por ela assegurados, e do montante desses custos. Sendo que o incumprimento desse dever de informação constitui o hospital no dever de indemnizar os danos que o mesmo tiver causado à paciente.
Mas essa responsabilidade não exclui, antes pressupõe, a obrigação de o consumidor que, no caso, recebeu a prestação de serviços, pagar ao respetivo prestador, o preço destes. Pagamento que não pode ser valorado como um dano resultante da falta de informação.
Não havendo dúvidas de que a segunda cirurgia também foi realizada no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, a falta de informação prévia sobre os custos da mesma não afasta a responsabilidade da paciente pelo seu pagamento. Só não seria assim se a necessidade de realizar a segunda cirurgia tivesse resultado de um erro do médico-cirurgião.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 171647/14.9YIPRT-2, de 22 de junho de 2016
Lei n.º 24/96, de 31/07, artigos 8.º e 9.º