O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que é nula a partilha de bens da herança feita para evitar o pagamento aos credores de um dos herdeiros, atribuindo-lhe apenas o direito a tornas, mas mantendo-o a residir na casa que habitava há mais de vinte anos, entretanto adjudicada a outro herdeiro.
O caso
Em outubro de 2004, viúva e filhos outorgaram uma escritura pública de partilha dos bens deixados pelo seu marido e pai, adjudicando àquela o usufruto de todos os imóveis, à filha a nua propriedade desses mesmos imóveis e ao filho apenas o direito a receber as respetivas tornas.
O que fizeram para evitar que esse filho ficasse com bens que pudessem ser penhorados, uma vez que tinha a correr contra si um processo executivo para cobrança de uma dívida relacionada com uma letra de câmbio.
Sem alterarem em nada o facto desse filho ter continuado a viver num desses imóveis, tal como vinha fazendo há mais de vinte anos, e atribuindo aos imóveis um valor abaixo do real, por forma a que o valor das tornas também fosse inferior.
Ao tomar conhecimento dessa situação, o credor do herdeiro intentou uma ação contra todos os herdeiros pedindo para que fosse declarada a nulidade da partilha, por simulação. Mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual o credor recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE concedeu provimento ao recurso, declarando nula a partilha, ao decidir que a mesma havia sido feita para evitar o pagamento ao credor de um dos herdeiros, atribuindo-lhe apenas o direito a tornas, mas mantendo-o a residir na casa que habitava há mais de vinte anos, entretanto adjudicada a outro herdeiro.
A simulação tem na sua base uma ausência de vontade de realizar o negócio declarado, sendo que o que as partes declaram não corresponde ao que elas realmente querem. E tem também um objetivo que é o de enganar terceiros criando uma aparência de um contrato, que efetivamente não querem no seu conteúdo, ou pelo menos da forma como disseram celebrá-lo.
Porque as partes não querem o conteúdo e os efeitos do que declaram, o negócio é nulo por respeito ao princípio da vontade. Esta nulidade do negócio simulado corresponde ao princípio segundo o qual uma declaração concebida com igual significado pelas partes de comum acordo é válida com o significado atribuído por elas.
E no caso o significado foi o de não realizar na prática as partilhas. Ou seja, os outorgantes da escritura não quiseram partilhar os bens mas apenas criar a aparência de que o queriam fazer e de que o tinham feito, sem nada alterarem em relação à utilização que até então vinham fazendo desses bens.
Tudo com o intuito de enganar terceiros, dando a entender aos credores que o herdeiro devedor não possuía no seu património quaisquer bens imóveis que pudessem ser penhorados, criando o risco de não realização do crédito.
Assim, tendo o negócio sido realizado com divergência entre a vontade declarada e a vontade real, a partilha tem de ser necessariamente declarada nula, não produzindo quaisquer efeitos.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 1388/10.0 TBSTR.E1 de 30 de junho de 2016
Código Civil, artigo 240.º