O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que o arrendatário que invoque perante o senhorio a existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público e que seja uma microentidade pode fazer prova dessa circunstância por qualquer meio legalmente admissível.
O caso
Em junho de 1970, o proprietário de um imóvel deu de arrendamento o rés-do-chão do mesmo para a instalação de um café. Em consequência, passou a funcionar nesse rés-do-chão um estabelecimento comercial que, em dezembro de 1982, foi objeto de trespasse. O novo proprietário do estabelecimento faleceu em 1998, tendo aquele passado a ser explorado pelos seus herdeiros.
Entretanto, em dezembro de 2013, o senhorio notificou esses herdeiros para efeitos de atualização da renda, propondo uma renda mensal de 600 euros e que o contrato passasse a ser com prazo certo, com uma duração de dois anos.
Ao que a viúva e cabeça de casal da herança respondeu, dentro do prazo de que dispunha para o fazer, invocando que no local existia um estabelecimento comercial aberto ao público de uma microentidade e enviando, junto com a carta, o anexo do Relatório Único sobre Emprego e Condições de Trabalho relativo ao quadro de pessoal, por forma a provar que o estabelecimento apenas tinha dois trabalhadores. Afirmou, ainda, que se opunha à transição do contrato para o novo regime legal, que não aceitava que o contrato passasse a ser com prazo certo com a duração de dois anos e que passaria a pagar a renda mensal de 262,30 euros, por ser esse o valor devido por corresponder a 1/15 do valor patrimonial do locado. Meses depois, os herdeiros enviaram nova carta reiterando o teor da anterior e enviando ainda o anexo 1 do modelo 3, do IRS.
Mas o senhorio não aceitou a posição assumida pelos herdeiros do arrendatário e recusou-se a receber a renda, o que levou aqueles a efetuarem o seu depósito. Mais tarde o senhorio notificou-os, por notificação judicial avulsa, declarando resolvido o contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
Não aceitando essa resolução do contrato, os herdeiros recorreram a tribunal pedindo para a mesma fosse declarada inválida e ineficaz e para que o valor da renda fosse fixado em 262,30 euros e declarado que o contrato não transitara pra o novo regime legal.
A ação foi julgada integralmente procedente, decisão com a qual o senhorio não se conformou e da qual recorreu para o TRG defendendo que os herdeiros do arrendatário não tinham demonstrado que o seu estabelecimento fosse uma microentidade, pelo que não podiam valer-se desse facto para se oporem ao aumento da renda.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) negou provimento ao recurso ao
decidir que a prova, pelo arrendatário, da existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público e que seja uma microentidade pode ser feita por qualquer meio legalmente admissível.
Nos contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes de 1995, perante a proposta de atualização da renda, o arrendatário por invocar que existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade, para adiar por cinco anos a transição do contrato para o novo regime legal e limitar o aumento da renda ao valor de 1/15 do valor patrimonial do locado.
Para o efeito, a lei considera microentidade a empresa que, independentemente da sua forma jurídica, não ultrapasse, à data do balanço, dois de três limites: um total do balanço de 500.000 euros; um volume de negócios líquido de 500.000 euros e um número médio de cinco empregados.
Sendo que o arrendatário que invoque perante o senhorio a existência no locado de um estabelecimento comercial aberto ao público e que seja uma microentidade deve juntar documento comprovativo dessa circunstância, sob pena de não poder prevalecer-se da mesma.
Prova essa que pode fazer por qualquer meio legalmente admissível, designadamente através da apresentação de cópia do comprovativo da declaração anual da Informação Empresarial Simplificada (IES), de declaração emitida pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação ou de cópia do comprovativo da declaração de rendimentos modelo 3 para efeito de IRS, acompanhada de cópia do rosto do Relatório Único respeitante à Informação sobre Emprego e Condições de Trabalho (ECT) devidamente entregue.
Assim, é de considerar devidamente comprovado que o arrendatário é uma microentidade quando o mesmo tenha enviado ao senhorio, dentro do prazo legal, o Anexo A - Quadro de Pessoal que integra o Relatório Único sobre Emprego e Condições de Trabalho, por forma a provar que apenas tinha dois trabalhadores no estabelecimento comercial existente no locado. Sendo o envio desse anexo, face à inexistência de trabalhadores sazonais, suficiente para comprovar o respetivo quadro de pessoal.
Relativamente ao volume global de negócios, é suficiente o envio do Modelo 3 da Declaração de IRS do qual resulte que o volume global líquido de negócios do arrendatário e o total do respetivo balanço é inferior a 500.000 euros. Não sendo necessário o envio de toda a declaração, até porque se trata de informação sigilosa, mas apenas os elementos estritamente necessários àquilo que se propõe e lhe compete provar.
Pelo que, com o envio desses documentos, podiam os herdeiros do arrendatário fazer-se valer da circunstância por eles invocada, ou seja, de que o estabelecimento comercial aberto ao público no locado era uma microentidade, sendo por isso de declarar inválida e ineficaz a resolução do contrato de arrendamento efetuada pelo senhorio.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 21/15.9T8AVV.G1, de 12 de julho de 2016
Novo Regime do Arrendamento Urbano, artigos 50.º e 51.º
Portaria n.º 226/2013, de 12/07, artigo 4.º