O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que são nulas as doações efetuadas através de mandato sem representação, conferido verbalmente pelo falecido para ser levado a cabo após a sua morte, destinadas a compensar as suas empregadas de há muitos anos, na medida em que a sua concretização subverteria as normas imperativas do direito sucessório.
O caso
Um homem decidiu recompensar as suas duas empregadas de longa data, atribuindo-lhes uma compensação pelos anos de serviço, tendo encarregue a amiga que o ajudava a tratar de todos os seus assuntos pessoais de, após a sua morte, entregar a cada uma delas a quantia de 25.000 euros.
No cumprimento dessas instruções, essa amiga, no dia em que aquele faleceu, transferiu 28.090 euros para a conta de uma das empregadas, correspondentes ao valor da compensação prometida e dos ordenados em falta.
Porém, o sobrinho e único herdeiro do falecido não concordou com essa atuação e recorreu a tribunal exigindo a devolução dessa quantia, acrescida de mais 37.500 euros de outra conta do tio que ela tinha transferido para uma conta sua.
A amiga contestou essa pretensão, alegando que nada devia, e exigiu o pagamento das quantias que suportara do seu próprio bolso com o pagamento dos 25.000 euros devidos à outra empregada, mais o seu ordenado, e de 18.108,41 euros com as despesas de funeral.
O tribunal considerou lícitas as entregas feitas às empregadas do falecido, tendo condenado a amiga deste a restituir à herança apenas os 37.500 euros que movimentara indevidamente de outra conta bancária. Porém, considerou que esta era também credora da herança, no montante de 46.108,41 euros, tendo condenado o sobrinho a pagar-lhe o valor correspondente à diferença.
Inconformado com essa decisão, o herdeiro recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa e depois para o STJ pondo em causa a validade das transferências monetárias efetuadas a favor das empregadas e o valor pago pelo funeral.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu parcial provimento ao recurso, condenando a amiga do falecido a restituir à herança a quantia de € 41.391,59 euros, ao considerar que eram nulas as disposições monetárias por ela efetuada a favor das empregadas.
Decidiu o STJ que são nulas as doações efetuadas através de mandato sem representação, conferido verbalmente pelo falecido para ser levado a cabo após a sua morte, destinadas a compensar as suas empregadas de há muitos anos, na medida em que a sua concretização iria subverter as normas imperativas do direito sucessório.
Segundo o STJ, a intenção verbal do falecido em compensar as suas empregadas, que se materializou no pagamento, através de uma amiga sua, de uma compensação pecuniária, integra um contrato de mandato sem representação.
Mandato este que caduca com o falecimento do mandante, salvo quando tenha sido conferido no interesse do mandatário ou de terceiro.
Para o efeito considera-se que o mandatário ou terceiro é titular de um interesse no negócio quando exista uma relação subjacente justificativa do mandato, constituindo este a forma de a efetuar e de fazer valer um direito próprio do mandatário ou desse terceiro.
Estando em causa uma compensação efetuada não propriamente em resultado de uma pura vinculação jurídica justificativa do mandato, mas sim com um ato de pura generosidade e gratidão, motivado por razões de ordem moral e social, ou seja no cumprimento de uma obrigação natural, à primeira vista nada obstaria a que o mandato pudesse ser executado após a morte do mandante.
Porém, segundo o STJ, essa doação efetuada através do mandato sem representação não poderá ser considerada legal na medida em que a sua concretização iria subverter as normas do direito das sucessões que são, em regra, imperativas.
Isto porque, de acordo com a lei, as doações por morte são, em regra, proibidas, só podendo produzir efeitos após a morte do doador quando tenham sido observadas as formalidades do testamento. Assim, não tendo sido observadas essas formalidades, uma vez que as disposições monetárias feitas a favor das ditas empregadas foram meramente verbais, não poderão deixar de ser consideradas nulas. Razão pela qual, sendo essas disposições monetárias nulas, essas quantias têm de ser devolvidas à herança do falecido.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 986/12.2TBCSC.L1.S1, de 13 de setembro de 2016
Código Civil, artigos 258.º, 265.º, 293.º, 946.º, 1157.º, 1158.º, 1170.º, 1174.º, 1175.º, 1180.º, 2068.º, 2079.º, 2179.º e 2311.º