O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que, provando que no ano anterior o valor do rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar foi inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, o arrendatário não deixa de beneficiar do regime especial e transitório de atualização de renda pelo facto de não ter cumprido o ónus de remeter ao senhorio o documento comprovativo dentro do prazo fixado na lei.
O caso
As proprietárias de um imóvel, ao tomarem conhecimento de que a inquilina falecera e de que lhe sucedera o seu companheiro, que há mais de 12 anos vivia com ela em união de facto, aceitaram a transmissão do direito ao arrendamento a favor do mesmo, tendo aproveitado para desencadearem o processo de transição para o novo regime legal e de atualização extraordinária da renda.
Assim, propuseram que o contrato passasse a ter uma duração de cinco anos e que o valor da renda mensal passasse de 77 euros para 367 euros mensais.
Em resposta, o inquilino declarou que se opunha a ambas pretensões, por ter mais de 65 anos de idade e por o seu rendimento mensal não ultrapassar 207 euros mensais. Para prova da sua idade juntou fotocópias do registo de nascimento e do Bilhete de Identidade e para prova do seu rendimento mensal juntou cópia de um recibo emitido pelo Centro Nacional de Pensões.
Considerando que este documento não era o que a lei previa como prova do rendimento do agregado familiar do inquilino, as senhorias consideraram que o contrato passara a vigorar por um prazo de cinco anos com uma renda de 367 euros, correspondente a 1/15 do valor patrimonial do imóvel.
Porém o inquilino continuou a pagar os 77 euros de renda, depositando as rendas à ordem das senhorias, uma vez que estas se recusaram a recebê-las, tendo estas posteriormente resolvido o contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento das rendas devidas.
Através do seu advogado, o inquilino comunicou que não aceitava a resolução do contrato, juntando, nessa altura, o documento emitido pelas Finanças comprovativo do rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar, que obtivera meses antes.
As senhorias recorreram então a tribunal pedindo para que fosse reconhecida a resolução do contrato e para que o inquilino fosse condenado a devolver o imóvel e a pagar a totalidade dos valores em dívida. Mas a ação foi julgada improcedente, decisão da qual recorreram para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL negou provimento ao recurso ao decidir que, provando que no ano anterior o valor do RABC do seu agregado familiar foi inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, o arrendatário não deixa de beneficiar do regime especial e transitório de atualização de renda pelo facto de não ter cumprido o ónus de remeter ao senhorio o documento comprovativo dentro do prazo fixado na lei.
O Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) contém um regime transitório para os arrendamentos anteriores à sua vigência, que permite que o arrendatário invoque o facto de ter uma idade superior a 65 anos de idade e um RABC inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais para adiar a transição do contrato para o novo regime legal e para limitar o aumento da renda.
Para prova do seu rendimento, a lei exige que seja entregue documento emitido pelas Finanças, comprovativo do montante do RABC, ou que o inquilino declare já o ter requerido e que nesse caso o envie ao senhorio no prazo máximo de 15 dias após a sua obtenção.
Porém, quando não cumpra esse ónus de comprovar o seu invocado rendimento dentro dos prazos e condições impostas pela lei, tal não significa que o inquilino deixe de poder beneficiar desse regime especial e transitório de atualização de renda.
Isto porque a cominação imposta pela lei, de que o arrendatário não se pode prevalecer da circunstância de ter completado 65 anos ou de sofrer de deficiência se não acompanhar a sua resposta ao senhorio com os respetivos documentos comprovativos, não está prevista para o caso de o arrendatário não juntar o documento comprovativo do valor do RABC do seu agregado familiar ou de que já o requereu e não juntar este último no prazo de 15 dias após a sua obtenção.
De onde resulta que, vindo arrendatário a provar que efetivamente o RABC do seu agregado familiar do ano anterior é inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais, embora fazendo-o depois do termo dos prazos previstos na lei, a única consequência de não cumprir estes prazos é de eventualmente vir a ter de indemnizar o senhorio por eventuais danos que lhe tenha causado com tal atraso.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1046-14.7TJLSB.L1-6, de 13 de outubro de 2016
Novo Regime do Arrendamento Urbano, artigo 35.º
Decreto-Lei n.º 158/2006 de 08/08, artigo 19.º-A
Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31/12