O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que, numa ação de reivindicação, é legítima a recusa de entrega da casa de morada de família por parte do ex-cônjuge a quem a mesma foi atribuída por acordo celebrado em divórcio por mútuo consentimento, devidamente homologado.
O caso
Depois do seu filho de casar, pai e mãe permitiram que ele fosse viver com a sua mulher para uma casa que lhes pertencia, situada no primeiro andar do prédio onde eles mesmos residiam.
Entretanto o pai morreu, tendo-se o filho e a nora divorciado em 2009, momento a partir do qual ela continuou a residir no imóvel, apesar de ter sido por diversas vezes notificada e pressionada para o devolver.
O litígio chegou a tribunal, perante o qual ela se defendeu alegando que no processo de divórcio tinha ficado acordado, por decisão homologada pela conservadora do registo civil, que ela ficaria a residir naquela que até então tinha sido a casa de morada de família.
Porém, como a contestação foi apresentada fora de prazo, foi ordenado o desentranhamento da mesma, com a consequente condenação da ré na entrega do imóvel. Inconformada, esta recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE julgou procedente o recurso, revogando a decisão recorrida na parte em que ordenara a restituição do imóvel.
Decidiu o TRE que, numa ação de reivindicação, é legítima a recusa de entrega da casa de morada de família por parte do ex-cônjuge a quem a mesma foi atribuída por acordo celebrado em divórcio por mútuo consentimento, devidamente homologado.
O direito constituído por acordo no processo de divórcio por mútuo consentimento, que tenha por objeto a utilização da casa de morada de família, é um verdadeiro e próprio direito real de habitação.
Tal não significa, porém, que esse direito seja perpétuo ou imutável, uma vez que, perante a alteração das circunstâncias, admite-se a modificabilidade da decisão homologatória do acordo de atribuição da casa de morada de família no âmbito de processo de divórcio.
O regime fixado pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária ou através de outra ação com objeto distinto que vise a eliminação do direito de uso e de habitação. Na realidade, a atribuição da casa de morada da família é um processo, ou incidente, de jurisdição voluntária e essa resolução pode ser alterada com base em circunstâncias supervenientes que justifiquem a modificação da situação vigente, o que ocorre sempre que o acordo realizado ou a decisão judicial já não acautele ou deixe de precaver, com equidade, os interesses de um dos ex-cônjuges.
Mas, até que tal aconteça, a detenção da casa de morada de família é legítima e oponível aos herdeiros, obstando à procedência do pedido de restituição formulado na ação de reivindicação.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 1281/13.5TBTMR.E1, de 23 de novembro de 2017
Código Civil, artigo 1311.º n.º 2