O Tribunal da Relação de Guimarães (TGR) decidiu que a apresentação pela seguradora ao sinistrado de uma proposta de indemnização quase 24 vezes inferior àquela que veio a ser fixada pelo tribunal não pode ser considerada uma proposta razoável, obrigando-a ao pagamento de juros no dobro da taxa legal, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial.
O caso
Vítima de um acidente de viação, a condutora de um dos veículos sofreu lesões na coluna e no pescoço que obrigaram a que fosse operada e que a impediram de exercer a sua atividade profissional habitual como agricultora.
O acidente foi participado à seguradora do outro veículo, responsável pelo acidente, que colocou à disponibilização da lesada 2.400 euros para a ressarcir integralmente os danos que havia sofrido em consequência do acidente, valor que ela não aceitou, tendo recorrido para tribunal.
Este decidiu condenar a seguradora a pagar a quantia global de 60.000 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, bem como juros no dobro da taxa legal prevista, sobre a diferença entre o montante oferecido de 2.400 euros e o montante fixado na decisão judicial. Insatisfeitas com esta decisão, ambas as partes recorreram para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou parcialmente procedentes os recursos, condenando a seguradora a pagar à autora uma indemnização de 57.500 euros, acrescida de juros, aumentando para 45.000 euros a indemnização devida pelo dano patrimonial futuro e reduzindo para 12.500 euros a indemnização pelos danos não patrimoniais, mas mantendo a condenação da seguradora no pagamento de juros em dobro.
Decidiu o TRG que a apresentação pela seguradora ao sinistrado de uma proposta de indemnização quase 24 vezes inferior àquela que veio a ser fixada pelo tribunal não pode ser considerada uma proposta razoável, obrigando-a ao pagamento de juros no dobro da taxa legal, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial.
Diz a lei que, estando em causa sinistros que envolvam danos corporais, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, a seguradora tem que apresentar ao sinistrado uma proposta razoável de indemnização, como forma de agilizar, tão breve quanto possível, o pagamento da indemnização.
Se o montante de indemnização proposto pela seguradora não puder ser considerado razoável, por ser manifestamente insuficiente, serão devidos juros no dobro da taxa prevista na lei, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial.
Ora, a existência de uma profunda divergência entre o montante da proposta efetuada pela seguradora, no valor de 2.400 euros, e o valor da indemnização que veio a ser fixado pelo tribunal, de 57.5000 euros, é quanto basta para que, em termos objetivos, não se possa qualificar aquela como razoável, nada mais precisando o lesado de provar para que possa beneficiar do pagamento de juros no dobro da taxa legal.
No entanto, a seguradora pode sempre alegar factos que demonstrem que, ao contrário do que à primeira vista possa parecer, o valor proposto, face às concretas circunstâncias que envolveram a apresentação da proposta, era à data razoável, justificando a significativa diferença entre o montante proposto e aquele que veio ser estabelecido, Nessas situações tem igualmente o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efetuou a proposta nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
Não tendo sido alegados nem demonstrados factos que justifiquem essa enorme diferença entre o montante da proposta apresentada pela seguradora e o valor da indemnização que acabou por ser fixado, nem que permitam dizer que aquela proposta foi efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais, assiste à lesada o direito ao pagamento de juros no dobro da taxa legal, ou seja, à taxa de 8%, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial. Juros esses contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos na lei para a apresentação dessa mesma proposta.
Já os juros de mora relativos à indemnização dos danos fixados por recurso à equidade serão devidos à taxa legal e contados apenas desde a data da decisão.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 863/16.8T8VIS.G1, de 7 de dezembro de 2017
Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08, artigo 39.º n.º 2