O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que não é praticada no exercício do direito de necessidade, passível de excluir a sua ilicitude, a conduta de quem conduz a pelo menos 200 km/h numa autoestrada em direção a uma reunião urgente com uma instituição financeira, numa altura em que uma das empresas administradas pelo condutor se deparava com um difícil e sério problema financeiro, provocado pela crise económica e financeira nacional.
O caso
Um condutor foi apanhado em excesso de velocidade quando conduzia na autoestrada a pelo menos 200 km/h, tendo procedido ao pagamento voluntário da coima e lhe sido aplicada a sanção acessória de inibição de conduzir por 60 dias.
Discordando da aplicação dessa sanação acessória, o condutor recorreu para tribunal, defendendo que a sua conduta não podia ser considerada ilícita porque tinha sido praticada em exercício do direito de necessidade estando, como tal, justificada.
Para o efeito alegou que desempenhava cargos de administração em várias empresas e que no dia em causa se dirigia para uma reunião urgente com uma instituição financeira, numa altura em que uma das empresas por ele administradas se deparava com um difícil e sério problema financeiro, provocado pelo contexto generalizado, intenso e duradouro de crise económica e financeira nacional que, inevitavelmente, a afetara.
Mas o tribunal manteve a decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), decisão da qual o condutor recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE negou provimento ao recurso ao decidir que não é praticada no exercício do direito de necessidade, passível de excluir a sua ilicitude, a conduta de quem conduz a pelo menos 200 km/h numa autoestrada em direção a uma reunião urgente com uma instituição financeira, numa altura em que uma das empresas administradas pelo condutor se deparava com um difícil e sério problema financeiro, provocado pela crise económica e financeira nacional.
Diz a lei, sobro o direito de necessidade, que não é ilícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo atual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.
Trata-se de uma causa de exclusão da ilicitude do facto punível para cuja verificação se exige que haja sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado e que seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse em atenção à natureza ou ao valor do interesse ameaçado, para além de não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo no caso de proteção de interesse de terceiro.
Pretende-se, assim, garantir que uma conduta tipicamente descrita não seja considerada ilícita sempre que represente o justo ou adequado meio para alcançar um fim reconhecido pela ordem jurídica.
Ora, conduzir em manifesto excesso de velocidade numa autoestrada, em direção a uma reunião urgente, não pode ser considerado um meio adequado, idóneo e menos lesivo para afastar o perigo que ameaçava interesses juridicamente protegidos, como sejam o pagamento dos impostos a favor do Estado e dos salários dos trabalhadores da empresa administrada pelo condutor.
Essa sua presença atempada na reunião podia ser assegurada por outros meios que não circular em excesso de velocidade, pondo em grave perigo quer a sua segurança, quer a própria vida, como a segurança e a vida de terceiros, nomeadamente o ter saído mais cedo para a predita reunião.
É que as situações que podem desencadear o direito de necessidade têm de ser muito específicas e pontuais e devidamente caracterizadas. Se há alternativa lícita para se obter aquele fim, se o tempo implicado na sua utilização não releva de forma significativa para o afastamento do perigo, se este se contém em margens tidas por aceitáveis em termos de experiência comum, então não logra justificação bastante que se lance mão deste elemento negativo do tipo para excluir a correspondente ilicitude.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 551/17.8T8TNV.E1, de 23 de janeiro de 2018
Código Penal, artigo 34.º