O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a clínica dentária e o médico dentista estão obrigados a indemnizar uma paciente que, em resultado da extração de um dente do siso, tenha sofrido a lesão de um nervo da língua, quando não a tenham previamente informado, como era seu dever, da possibilidade dessa lesão ocorrer em resultado da cirurgia.
O caso
Uma militar da Força Aérea dirigiu-se a uma clínica dentária queixando-se de desconforto, parecendo que os seus dentes estavam a abanar, embora não sentisse qualquer dor. Depois de a examinar, o dentista disse-lhe que tal sintomatologia se devia ao facto do seu dente do siso do maxilar inferior, do lado direito, estar incluso e a empurrar os outros dentes, tendo-lhe proposto a extração do mesmo.
A doente acedeu à extração do siso, a qual decorreu normalmente. Porém, da mesma resultou lesão do nervo lingual direito, o que lhe causou fortes dores, dificuldade em falar e mastigar, sensação de formigueiro e encortiçamento da língua, bem como perda de sensibilidade na face direita. Sintomas que nunca foram ultrapassados e que a impediram de realizar as provas físicas exigidas para a sua progressão na carreira militar e manutenção no ativo, levando-a a intentar uma ação contra a clínica e o médico pedindo uma indemnização pelos danos que sofrera.
Estes contestaram a ação, defendendo que tinham prestado todos os esclarecimentos devidos sobre a operação e os potenciais riscos da mesma, e afirmando que a extração do dente de siso era suscetível de afetar o nervo lingual. A ação foi julgada improcedente, tendo a militar recorrido dessa decisão para o TRL, que julgou parcialmente procedente o recurso condenando a clínica e o médico a pagarem-lhe solidariamente, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 18.000 euros e a título de danos patrimoniais a quantia de 427,98 euros, acrescidos de juros. Estes recorreram da condenação para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ negou provimento ao recurso, confirmando a condenação, ao decidir que a clínica dentária e o médico dentista estão obrigados a indemnizar uma paciente que, em resultado da extração de um dente do siso, tenha sofrido a lesão de um nervo da língua, quando não a tenham previamente informado, como era seu dever, da possibilidade dessa lesão ocorrer em resultado da cirurgia.
A lei exige, como regra e como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, nomeadamente em caso de realização de uma cirurgia, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado na posse das informações relevantes sobre o ato a realizar, tendo em conta as concretas circunstâncias do caso, sob pena de não poder valer como consentimento legitimador da intervenção.
Estando em causa uma cirurgia de extração de um siso incluso efetuada numa clínica dentária, por um médico estomatologista, seu sócio-gerente, era exigível que este desse a conhecer à doente que a extração a realizar, ainda que efetuada com observância de todas as regras da profissão, podia provocar a lesão do nervo lingual, como provocou, e quais as consequências possíveis de tal lesão.
Em primeiro lugar, porque essa obrigação de informação do ato médico a realizar, não só resulta da lei, mas também especificamente do contrato celebrado, como dever acessório do dever principal, que, no caso, era o de realizar a cirurgia de extração de um siso incluso. Em segundo lugar, porque as concretas circunstâncias da realização da extração e da pessoa da doente, paciente do médico há bastante tempo, justificavam que se incluísse no dever de informação o risco de lesão do nervo lingual e da ocorrência das consequências dessa lesão. Não se tratou de uma cirurgia realizada em situação de urgência, mas sim agendada com tempo suficiente para que a doente pudesse ponderar as vantagens e os riscos da mesma, sendo que esta tinha uma profissão fisicamente exigente.
Embora não se possa afirmar que tenha sido a falta de informação que provocou a lesão, nem se tenha provado que a doente só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos riscos da mesma, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a verdade é que essa falta de informação impossibilitou a paciente de tomar uma decisão informada em termos de ponderação adequada de riscos e benefícios da cirurgia.
Essa perda de oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências é, em si mesma, enquanto dano causado pela falta de informação devida, suscetível de ser indemnizada, com base no direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade, incluindo-se no seu conteúdo, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas.
Nesta perspetiva, tendo ficado provado que a clínica e o médico nunca informaram a paciente da existência de algum risco na cirurgia a realizar, e que nem sequer mencionaram que se tratava de uma extração especialmente complicada, está ostensivamente demonstrado o concreto nexo de causalidade naturalístico e preenchido o requisito da causalidade adequada consagrado na lei portuguesa, no âmbito da responsabilidade civil
Tendo o acórdão recorrido ponderado, designadamente, que a lesão do nervo lingual provocou dores, encortiçamento da hemilíngua direita e limitações da vida habitual da autora que se mantiveram por bastante tempo e tendo em conta que o critério essencial de aferição da indemnização equitativa é o da gravidade do dano, decidiu o STJ manter o valor de 18.000 eurps, calculado pelo TRL, a título de danos não patrimoniais.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 23592/11.4T2SNT.L1.S1, de 2 de novembro de 2017
Código Civil, artigos 25.º n.º 1, 70.º, 81.º, 496.º, 540.º, 563.º w 798.º.
Código Penal, artigo 157.º
Constituição da República Portuguesa, artigos 25.º e 26.º