O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que a seguradora está obrigada a pagar ao segurado o montante orçamentado na peritagem para a reparação dos danos sofridos pelo veículo segurado, em consequência do furto do mesmo, ainda que esse montante seja superior ao que o lesado gastou com essa reparação, depois da seguradora ter declinado qualquer responsabilidade.
O caso
O proprietário de um automóvel furtado em Espanha, quando se encontrava de férias, intentou uma ação contra a respetiva seguradora exigindo desta o pagamento dos danos causados pelos ladrões no veículo, encontrado cerca de dois meses depois, e do valor dos bens furtados do interior do mesmo, bem como das despesas que tivera com o aluguer de um veículo de substituição.
A seguradora rejeitou qualquer responsabilidade, questionando a ocorrência do furto e defendendo que o seguro não cobria todos os danos participados.
O tribunal decidiu condenar a seguradora no pagamento do valor orçamentado para a reparação da viatura, absolvendo-a do pagamento dos demais danos participados pelo segurado.
Discordando dessa decisão, a seguradora recorreu para o TRL defendendo que, como o proprietário do veículo tinha procedido à reparação do mesmo pagando apenas 1.670,33 euros, a sua condenação não podia ultrapassar este valor.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL não concedeu provimento ao recurso, ao decidir que a seguradora está obrigada a pagar ao segurado o montante orçamentado na peritagem para a reparação dos danos sofridos pelo veículo segurado, em consequência do furto do mesmo, ainda que esse montante seja superior ao que o lesado gastou com essa reparação, depois da seguradora ter declinado qualquer responsabilidade.
Em matéria de reparação de danos, a lei consagra a primazia da chamada reconstituição natural da situação anterior à lesão sobre a indemnização em dinheiro. Pretende-se, assim, que o lesado seja restituído à situação que teria se não fosse a lesão o que, quando na presença de danos causados em veículos automóveis, obriga forçosamente à sua reparação.
Essa ideia de restauração natural é estabelecida tanto no interesse do credor como no interesse do devedor da obrigação, o que significa que tanto o credor tem a faculdade de exigir a restauração natural contra a vontade do devedor, como, inversamente, pode este prestá-la mesmo em oposição à vontade daquele.
Nesse sentido, está a seguradora obrigada a indemnizar o segurado do montante necessário para proceder à reparação dos danos sofridos pelo veículo, não podendo limitar-se a reembolsá-lo do valor que o mesmo tenha despendido com a reparação do veículo por ele ordenada, depois da seguradora ter declinado qualquer responsabilidade.
Assim sendo, ainda que se tenha provado que o segurado despendeu 1.670,33 euros com a reparação do veículo, deve a seguradora ser condenada a pagar-lhe o valor de 9.372,72 euros que, aquando da peritagem, havia sido orçamentado para essa reparação.
Para mais quando nada resulte dos autos que permita afirmar que, através da reparação levada a cabo pelo segurado, este veio a ser restituído à situação que teria se não fosse a lesão, desconhecendo-se se essa reparação abrangeu ou não todos os danos sofridos no veículo.
Condenar a seguradora a pagar apenas o montante de 1,670,33 euros seria levá-la a reparar o lesado do montante que ele suportou na reparação que ordenou e não em valor suscetível de o ressarcir integralmente do dano sofrido na sequência da verificação do evento que levou a que fosse acionado o seguro. Não tendo a seguradora assumido, de motu próprio, o dever que lhe competia de repor as coisas na situação em que estariam caso o evento lesivo se não tivesse produzido, mal se compreenderia que quisesse depois beneficiar dessa omissão, pagando um valor inferior ao devido.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 32159/16.0T8LSB.L1-6, de 21 de dezembro de 2017
Código Civil, artigos 562.º e 566.º