O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que não cabe nos deveres de informação de uma seguradora alertar os seus clientes para a necessidade de celebrarem novos contratos de seguro, designadamente para cobertura de danos causados por animal que tenha passado a ser considerado perigoso.
O caso
Em novembro de 2010, duas pessoas foram atacadas por cão de raça Boxer que andava à solta, tendo sido mordidas nas pernas e obrigadas a receber assistência na Unidade Local de Saúde.
Cão esse que já em 2008 tinha mordido outra pessoa, tendo na altura a seguradora contratada pelos donos para cobrir os danos causados por animais domésticos e afetos à sua produção agrícola, assumido a responsabilidade pela reparação dos danos causados.
Em consequência, a Unidade Local de Saúde recorreu a tribunal exigindo o pagamento das despesas tidas com assistência dada aos feridos e uma das lesadas exigiu uma indemnização.
O tribunal condenou a seguradora, decisão da qual esta recorreu para o TRG defendendo que o animal tinha passado a ser considerado perigoso a partir do momento em que mordera uma pessoa em 2008, deixando, então, o seguro de cobrir os danos causados pelo mesmo.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida, absolvendo a seguradora e condenando os donos do cão a pagarem as despesas à Unidade Local de Saúde.
Decidiu o TRG que não cabe nos deveres de informação de uma seguradora alertar os seus clientes para a necessidade de celebrarem novos contratos de seguro, designadamente para cobertura de danos causados por animal que tenha passado a ser considerado perigoso.
A lei considera potencialmente perigoso qualquer animal que, devido às características da espécie, comportamento agressivo, tamanho ou potência de mandíbula, possa causar lesão ou morte a pessoas ou outros animais, nomeadamente os cães pertencentes a determinadas raças, ou resultantes de cruzamentos com elas. Por outro lado, considera perigoso qualquer animal que tenha mordido, atacado ou ofendido o corpo ou a saúde de uma pessoa, que tenha ferido gravemente ou morto outro animal fora da propriedade do detentor, que tenha sido declarado como tal pelo seu detentor à junta de freguesia da sua área de residência, ou que tenha sido considerado como tal pela entidade competente devido ao seu comportamento agressivo ou especificidade fisiológica.
Obrigando o detentor de qualquer animal perigoso a possuir um seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir os danos causados pelo mesmo.
No caso, embora o cão, sendo de raça Boxer, não estivesse incluído na lista dos animais potencialmente perigosos, passou a ser considerado perigoso quando, em 2008, atacou na rua e mordeu o corpo de uma pessoa.
A partir dessa altura, os seus detentores estavam obrigados a celebrar um contrato de seguro de responsabilidade civil destinado a cobrir os danos causados por animal perigoso, com um capital mínimo de 50.000 euros. E também, a partir desse momento, o contrato de seguro que tinham inicialmente contratado para cobrir danos causados por animais da exploração agrícola e domésticos deixou de cobrir os danos causados pelo cão.
Não sendo dever da seguradora informar os donos do animal que este, após ter atacado e mordido uma pessoa na via pública, se tinha tornado, na expressão da lei, um animal perigoso e, consequentemente, da necessidade de efetuarem um novo contrato de seguro, com a finalidade específica de cobrir os danos causados por animal perigoso.
É verdade que, durante a vigência do contrato, o segurador e o tomador do seguro ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco inicialmente tido em conta aquando da celebração do contrato. Mas tal não abrange a necessidade de celebrar um novo contrato, com um clausulado diferente, com a mesma ou qualquer outra seguradora. Além disso, estando em causa um agravamento do risco, é o tomador do seguro ou o segurado quem tem o dever de fazer essa comunicação.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 122786/13.6YIPRT.G1, de 8 de março de 2018
Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29/10, artigo 3.º
Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, artigos 18.º a 23.º, 91.º, 92.º e 93.º