O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que não configura abuso de direito o facto do senhorio demorar cerca de três anos a instaurar contra o arrendatário a ação de cobrança do diferencial da renda, após a sua atualização, respeitante aos valores em atraso.
O caso
A proprietária de um imóvel arrendado comunicou à inquilina a sua intenção de que o contrato transitasse para o novo regime de arrendamento urbano, para passar a ter um prazo de cinco anos, e de que a renda fosse atualizada para o montante de 375 euros mensais. A arrendatária respondeu opondo-se ao valor de renda proposto pela senhoria e defendendo a manutenção dos 79 euros mensais que vinha pagando.
Em consequência, a senhoria remeteu nova carta à inquilina na qual a informou da atualização da renda para os 375 euros mensais inicialmente propostos. Em resposta, a inquilina veio invocar os seus baixos rendimentos para se opor à atualização da renda alegando que esta não podia ultrapassar os 122,70 euros mensais, tendo passado a transferir esse valor para a conta bancária da senhoria.
Cerca de três anos depois, a senhoria recorreu a tribunal exigindo o pagamento dos montantes em falta, face ao valor fixado da renda, ação que foi julgada procedente, depois do tribunal ter entendido que a inquilina devia ter invocado o seu rendimento na primeira resposta dada à senhoria, pelo que a renda havia sido validamente atualizada para 375 euros. Inconformada, a arrendatária recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC julgou improcedente o recurso ao decidir que não configura abuso de direito o facto do senhorio demorar cerca de três anos a instaurar contra o arrendatário a ação de cobrança do diferencial da renda, após a sua atualização, respeitante aos valores em atraso.
Para que o exercício de um direito seja abusivo é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do direito que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse mesmo direito.
Assentando esse comportamento abusivo na atuação do senhorio, ao aceitar receber a renda para somente três anos depois vir exigir o pagamento da respetiva diferença, face ao aumento efetuado, é de afastar a existência de qualquer contradição.
Com efeito, tendo a senhoria, face à resposta da arrendatária de que não aceitava qualquer aumento de renda, comunicado que a renda se fixaria no valor anteriormente por si indicado, de 375 euros, ela assumiu a posição clara de exigir o pagamento desse valor. E estando a renda a ser paga mediante transferência bancária, não tinha a senhoria como recusar os pagamentos efetuados pela arrendatária, de apenas 122,70 euros mensais.
A partir do momento em que não tinha meios de recusar tal recebimento, não se afigura censurável ou vinculador o facto da senhoria ter emitido o competente recibo e declarado às Finanças o valor efetivamente recebido e não o valor que, em seu entender, se encontraria em vigor, mas que a arrendatária nunca pagou.
Não surgindo como um comportamento contraditório, face à posição por ela assumida, nem sequer violador de qualquer confiança criada na outra parte, a circunstância de ter demorado cerca de três anos a intentar a ação para cobrança dos valores em falta, deixando acumular os valores em dívida.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 7770/16.2T8CBR.C1, de 6 de março de 2018
Novo Regime do Arrendamento Urbano, artigos 31.º n.º 4 alíneas a) e b)
Código Civil, artigo 334.º