O Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) decidiu que não está abrangido pelo âmbito de cobertura do seguro automóvel obrigatório o acidente que seja provocado pelo capotamento de um trator no momento em que este se encontrava imobilizado, a servir de apoio ao trabalho agrícola, com o motor em funcionamento para acionar a bomba pulverizadora de herbicida.
O caso
Enquanto realizava a tarefa de deitar herbicida numa vinha, numa zona de forte inclinação, uma trabalhadora agrícola foi atingida mortalmente por um trator, que entrou em capotamento.
O trator encontrava-se imobilizado, num caminho plano de terra, com o motor em funcionamento para acionar a bomba pulverizadora do herbicida. Tendo o peso do trator, a trepidação provocada pelo respetivo motor e pela bomba de saída da pulverizadora, conjugados com a forte chuva que naquele dia se fazia sentir, provocado um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o trator tombasse pelos bardos abaixo, entrando em capotamento e indo apanhar os funcionários que se encontravam a executar o trabalho de pulverização da vinha com herbicida, nos socalcos inferiores.
O acidente foi tratado e aceite como acidente de trabalho pela seguradora, tendo o viúvo sido indemnizado pelos danos patrimoniais decorrentes do acidente. Posteriormente, o viúvo recorreu a tribunal, pedindo para que os donos da propriedade agrícola, o caseiro e a seguradora do veículo fossem condenados a indemnizá-lo pelos danos morais que sofrera.
O tribunal condenou os proprietários e o caseiro a indemnizarem o viúvo e os filhos da vítima, absolvendo a seguradora, por considerar que o acidente não era de viação, não estando por isso coberto pela apólice, decisão da qual foram interpostos recursos para o TRG.
Apreciação do Tribunal da Relação de Guimarães
O TRG julgou improcedentes os recursos ao decidir que não está abrangido pelo âmbito de cobertura do seguro automóvel obrigatório o acidente que seja provocado pelo capotamento de um trator no momento em que este se encontrava imobilizado, a servir de apoio ao trabalho agrícola, com o motor em funcionamento para acionar a bomba pulverizadora de herbicida.
Segundo as normas europeias relativas à obrigatoriedade do seguro automóvel, cada Estado-membro deve adotar todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro. De onde resulta que se exige, para qualificar o acidente como de viação, a mobilidade do veículo, na altura em que ocorre o sinistro do qual resultaram danos para terceiros.
No entanto, existem veículos, de natureza mista, utilizados simultaneamente como meio de transporte e como máquina, em atividades agrícolas, de construção civil ou industriais, que podem causar danos a terceiros decorrentes dessa utilização, não só quando circulam, mas também quando imobilizados.
Neste sentido, decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, a pedido do TRG, que dever ser seguida a interpretação segundo a qual não está abrangida pelo conceito de circulação de veículos uma situação em que um trator agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para acionar a bomba de um pulverizador de herbicida.
Pelo que, estando provado que o acidente ocorreu devido ao peso do trator e à trepidação que o mesmo provocava, enquanto imobilizado, mas com o motor em funcionamento para acionar a bomba pulverizadora do herbicida, que aliados às fortes chuvas provocaram o deslizamento de terras e o capotamento do trator, não pode esse acidente ser considerado de viação, estando por isso excluído do âmbito de cobertura da apólice.
Sendo o deslizamento de terras e consequente capotamento do trator pelos socalcos abaixo da quinta previsível face à elevada precipitação e morfologia do terreno, podendo ter sido evitada a morte da trabalhadora com a cessação dos trabalhos de pulverização das videiras ou com a continuação dos mesmos em condições de segurança, recai sobre o caseiro, que não agiu, como lhe era exigido, por forma a evitar o acidente, a obrigação de indemnizar os danos decorrentes desse mesmo acidente.
Responsabilidade essa que recai também e solidariamente sobre os proprietários da quinta, enquanto comitentes, uma vez que aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 36/11.6TBSBR.G1, de 12 de abril de 2018
Diretiva 72/166/CEE, do Conselho, de 24/04/1972, publicada no JO L 103, de 2 de maio de 1972, artigo 3.º n.º 1
Código Civil, artigos 483.º n.º 1, 486.º e 500.º