O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) condenou quatro militares da GNR no pagamento de multas e de uma indemnização de 8.000 euros a um juiz desembargador por denúncia caluniosa e falsidade de testemunho devido a uma participação feita contra o mesmo junto do Conselho Superior da Magistratura.
O caso
Em julho de 2012, um juiz desembargador foi fiscalizado por uma brigada da GNR por conduzir um veículo sem as respetivas chapas de matrícula quando se dirigia para uma oficina depois das mesmas terem sido furtadas.
Em consequência foi ordenada a apreensão e remoção da viatura e posteriormente elaborada uma participação contra o magistrado na qual se mencionava que o mesmo tinha começado por ignorar e desobedecer ao sinal de paragem da viatura e que, depois de interceptado, mantivera uma atitude provocatória, intimidatória e agressiva perante os guardas. Participação que originou a abertura de um inquérito contra o juiz, levado a cabo pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM), no âmbito do qual prestaram declarações os guardas envolvidos na operação. Fizeram-no reiterando que o juiz tinha mantido uma atitude exaltada, de não colaboração e de superioridade. O inquérito acabou por ser arquivado, tendo o juiz apresentado queixa contra os militares que acabaram julgados, e depois absolvidos, pela prática dos crimes de denúncia caluniosa e falsidade de testemunho. Inconformado com essa decisão, o magistrado recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL concedeu provimento ao recurso condenando os quatro militares da GNR no pagamento de multas no total de 2.340 euros e de uma indemnização de 8.000 euros ao juiz desembargador por denúncia caluniosa e falsidade de testemunho.
Decidiu o TRL que comete o crime de denúncia caluniosa o militar da GNR que, após uma operação de fiscalização, apresenta participação contra um magistrado junto do CSM, fazendo constar, de forma deliberada e consciente, factos que sabia não corresponderem à verdade, relacionados com a desobediência à ordem de paragem e com uma atitude intimidatória, agressiva e provocatória para com os agentes da autoridade, com o intuito expresso de que fosse instaurado procedimento disciplinar contra o mesmo, assim procurando denegrir a sua honra e bom nome pessoal e profissional.
Entendeu o TRL que, não sendo possível dar como provado que o magistrado tivesse passado junto dos militares e ignorado de forma deliberada a ordem para parar, pondo-se em fuga, mente o militar autor da participação quando afirma que o magistrado desobedeceu deliberada e conscientemente a tal ordem. Mentira que foi corroborada pelas declarações proferidas pelos restantes militares, durante o inquérito, quando, ainda que com algumas retificações mais próximas da verdade, confirmaram o teor da participação.
Ao fazê-lo, quer na participação que dirigiu ao CSM quer nas declarações prestadas no inquérito que se seguiu, o guarda imputou ao magistrado a prática de um crime de desobediência que bem sabia não ter cometido, com o intuito, por mero revanchismo, de que contra ele fosse instaurado um processo disciplinar.
Segundo o TRL, não pode ser vista como agressiva a atitude do juiz ao manifestar o seu desagrado pelo facto de ter sido perseguido pelas viaturas da GNR através da utilização de sinais sonoros e luminosos e com todo o alarido que essa situação originou. Nem faz qualquer sentido a pretensa intimidação, agressividade ou provocação por parte do magistrado, mandando o senso comum que não se considere possível que alguém com perto de sessenta anos, sozinho, logre intimidar ou ser agressivo perante um grupo de, pelo menos, quatro agentes da GNR, muito mais novos e, pelas regras da experiência, mais pujantes fisicamente e presumivelmente armados.
Logo, a identificação como juiz de direito por parte do magistrado, cerca de uma hora depois do início da ação de fiscalização, e o pedido de identificação dos agentes nada tem de intimidatório. Se os arguidos se sentiram intimidados não o foi em resultado de qualquer conduta do magistrado durante a fiscalização, mas tão-só porque se aperceberam de que ao serem identificados e que o identificante era juiz sentiram que da sua incorreta atuação poderiam advir consequências disciplinares ou criminais.
Quanto ao crime de falsidade de testemunho, entendeu o TRL verificar-se a prática do mesmo tendo em conta que todos os militares tinham prestado declarações no processo de inquérito que correra termos no CSM confirmando na íntegra, sob juramento, o conteúdo da participação elaborada por um deles, apesar de saberem que ela continha factos inverídicos.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 1301/13.3.TDLSB.L2
Código Penal, artigos 360.º e 365.º