O Tribunal da Relação de Évora (TRE) decidiu que se verifica um comportamento intencional e doloso que permite impugnar com êxito o negócio quando aquele que está prestes a constituir-se devedor, dois dias antes da data da constituição do crédito, declara doar dez imóveis que constam no seu património, com o intuito de diminuir as garantias patrimoniais do futuro credor.
O caso
Em dezembro de 2004 um banco concedeu a uma sociedade uma linha de crédito até ao limite máximo de um milhão de euros, tendo, no dia 10/08/2012, concedido novo empréstimo destinado à regularização dessas responsabilidades anteriormente assumidas pela sociedade. Para garantia de pagamento desse empréstimo, a sociedade subscreveu uma livrança devidamente avalizada, que o banco preencheu e utilizou para intentar uma ação executiva contra o avalista, depois da sociedade ter sido declarada insolvente.
Quando o fez descobriu que o avalista, apenas dois dias antes da assinatura do contrato de empréstimo concedido em 2012, tinha doado dez imóveis de que era proprietário, o que impediu que o banco conseguisse obter a satisfação do seu crédito. Em consequência, o banco impugnou as doações, mas o tribunal julgou a ação improcedente. Inconformado, o banco recorreu para o TRE.
Apreciação do Tribunal da Relação de Évora
O TRE concedeu provimento ao recurso, declarando a ineficácia da doação em relação ao credor e reconhecendo a este o direito a executar os bens imóveis doados no património dos respetivos beneficiários para satisfação do seu crédito.
Decidiu o TRE que se verifica um comportamento intencional e doloso que permite impugnar com êxito o negócio quando aquele que está prestes a constituir-se devedor, dois dias antes da data da constituição do crédito, declara doar dez imóveis que constam no seu património, com o intuito de diminuir as garantias patrimoniais do futuro credor.
Diz a lei que os atos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se o crédito for anterior ao ato ou, sendo posterior, tiver sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, ou, ainda, quando desse ato resulte a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.
Tratando-se de ato oneroso, só está sujeito a impugnação se o devedor e o terceiro tiverem agido de má-fé, entendendo-se por má-fé a consciência do prejuízo que o ato causa ao credor. Mas se se tratar de um ato gratuito, como no caso de uma doação, a impugnação procede, ainda que um e outro tenham agido de boa-fé.
Sendo o crédito posterior ao ato que envolve a diminuição da garantia patrimonial do crédito, importa apurar se foi realizado de forma intencional e dolosa com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor, para o que é indiferente se o ato foi gratuito ou oneroso.
Tendo-se provado que, apenas dois dias antes da contratação do crédito, o futuro devedor doou dez imóveis com o intuito de diminuir as garantias patrimoniais do banco, esse seu comportamento intencional e doloso permite sustentar a impugnação do ato. O facto dessa atuação intencionalmente ilícita ter tido lugar a apenas dois dias da data em que veio a ser contraído o crédito sob a forma de empréstimo para regularização de responsabilidades da sociedade avalizada, traduz uma conduta dolosa, não denunciando ao credor a transferência da propriedade operada nem lhe dando objetivamente tempo suficiente para se aperceber ou se inteirar, sem negligência da sua parte, de que tinha ocorrido a subsunção desses dez imóveis do património do devedor avalista. Dado que mais se provou que dessa doação resultou a impossibilidade de o banco obter a satisfação ainda que parcial do seu crédito, verificam-se os requisitos legais de que depende a procedência da impugnação.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 5543/16.1T8STB.E1, de 10 de maio de 2018
Código Civil, artigos 610.º e 612.º