O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que em caso de legado de coisa certa e determinada que se integre no património comum do casal, essa disposição testamentária, embora válida, apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro.
O caso
Um homem faleceu no estado de casado no regime da separação imperativa de bens, em primeiras núpcias dela e segundas núpcias dele, deixando como únicos e universais herdeiros a mulher e os seus filhos. Antes outorgara testamento legando à sua mulher e à sua filha o direito que lhe pertencia sobre dois prédios urbanos e um rústico.
Alegando que o testador, à data da outorga desse testamento e à data de sua morte, não era o dono de tais bens, dado que os mesmos pertenciam à herança ilíquida e indivisa deixada pela sua anterior mulher, tendo como herdeiros, além do marido, os filhos do casal, um desses filhos recorreu a tribunal pedindo para que fosse declarada a nulidade do testamento e ordenada a restituição dos bens à herança.
A ação foi julgada improcedente, decisão da qual foi interposto recurso para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença e declarando que o testamento era válido, no que concerne às disposições testamentárias, quanto ao seu valor e nulo quanto à sua substância. Condenou ainda as rés a restituírem, livres de pessoas e bens, os prédios identificados no testamento às heranças.
Decidiu o TRC que em caso de legado de coisa certa e determinada que se integre no património comum do casal, essa disposição testamentária, embora válida, apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor em dinheiro.
Sendo o património comum um património coletivo, o mesmo pertence a ambos os cônjuges em conjunto mas sem que possam afirmar, antes da sua divisão e partilha, dispor de um direito próprio e específico sobre os bens que integram o seu acervo. Devido a essa sua natureza, esse património não confere a nenhum dos seus titulares, nem direitos sobre coisas certas e determinadas, nem direito a uma quota sobre qualquer dessas coisas. O facto de um prédio pertencer em comum a ambos os cônjuges não significa, por outras palavras, que qualquer deles se possa intitular do prédio ou sequer titular do direito a metade desse prédio, o que só acontecerá após a sua partilha.
Assim, essa disposição testamentária que incida sobre bens certos e determinados pertencentes à comunhão do património comum, efetuada quer na pendência do matrimónio, quer depois da sua dissolução e enquanto esse património comum se mantiver indiviso, é sempre válida quanto ao valor e, em princípio, nula quanto à substância, implicando a transformação de uma disposição em substância num legado de valor.
Desse modo, não se verificando nenhuma das exceções legais que, a ocorrerem, conferem ao contemplado o direito de exigir a coisa em substância, a disposição que tenha por objeto coisa certa e determinada do património comum, embora se reconduza a faculdade legal, apenas dá ao contemplado o direito de exigir o respetivo valor da deixa.
É o que ocorre quando o testador tenha legado o direito que lhe pertencia sobre determinados imóveis que integravam o património comum indiviso de que ele era titular junto com a sua defunta mulher. Legado esse que, embora válido, se converte num legado de valor, conferindo às respetivas beneficiárias apenas o direito de exigirem o valor em dinheiro correspondente a tais prédios, estando entretanto obrigadas a devolvê-los às heranças.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 3884/16.7T8VIS.C1, de 15 de maio de 2018
Código Civil, artigos 1685.º e 2252.º n.º 2.º