O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que uma mãe tem legitimidade para apresentar sozinha queixa, em nome do filho menor, pela prática de um crime de natureza semipública de que este tenha sido vítima, mesmo quando o exercício das responsabilidades parentais pertença a ambos os pais.
O caso
Uma avó advertiu um dos seus netos, então com 10 anos de idade, quando este se encontrava a tomar banho em sua casa, de que se devia despachar. Como o menor não obedeceu, ela desligou a água do chuveiro. Insatisfeito, ele agitou a esponja com espuma que tinha na mão junto à cara da avó, molhando-a. Ato contínuo, esta desferiu uma pancada com o chuveiro no pulso esquerdo no neto, magoando-o.
Ao saber do sucedido, a mãe do menor apresentou, em nome deste, queixa contra a avó paterna imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física.
Mas o tribunal declarou extinto o procedimento criminal, por extinção do direito de queixa, ao considerar que, tratando-se de um crime semipúblico, do qual era ofendido um menor com menos de dezasseis anos de idade, a queixa tinha de ter sido apresentada por ambos os pais, a quem, segundo o acordo do exercício das responsabilidades parentais, homologado após o divórcio, competia o exercício das responsabilidades parentais.
Inconformado com esta decisão, o Ministério Púbico (MP) recorreu para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida , considerando que o procedimento criminal por crime semipúblico era válido e ordenando que fosse proferida nova sentença na qual fosse apurada e concretizada a eventual responsabilidade penal da arguida.
Decidiu o TRP que uma mãe tem legitimidade para apresentar sozinha queixa, em nome do filho menor, pela prática de um crime de natureza semipública de que este tenha sido vítima, mesmo quando o exercício das responsabilidades parentais pertença a ambos os pais.
Diz a lei que quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Se o ofendido for menor de 16 anos, o exercício do direito de queixa pertence ao seu representante legal.
Esta referência ao representante legal significa que qualquer um dos pais pode exercer o direito de queixa em nome do filho, não havendo que remeter para as normas do direito civil a determinação de quem é o representante legal e do modo como essa representação é exercida.
Importa ter em conta que a apresentação de uma queixa em nome de um descendente menor de idade, por parte de um progenitor, visa, em último caso, a própria segurança do ofendido, tendo-se presentes os fins das penas, que incluem a proteção dos bens jurídicos. Ora, o primeiro dever dos pais é velar pela segurança dos filhos, cabendo tal tarefa a cada um deles, independentemente da colaboração do outro progenitor.
No fundo, ao apresentar queixa pela prática de um crime de natureza semipública de que foi vítima um descendente menor de 16 anos de idade, o pai ou a mãe exercem um poder-dever no interesse do menor, em benefício da sua segurança e visando a proteção de bens jurídicos deste, dando início a um procedimento criminal.
Assim se compreende que a queixa possa ser apresentada por um só dos ascendentes e que apenas um deles seja suficiente para, em nome do menor, requerer a sua constituição como assistente.
Encontrando-se processualmente adquirido que, por sentença transitada em julgado, foi homologado o acordo do exercício das responsabilidades parentais, segundo o qual o menor ofendido ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, com quem ficou a residir, incumbindo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais, concluiu o TRP que esta tinha legitimidade para, de forma válida, regular e eficaz, apresentar queixa, em nome do seu filho, por factos que integravam a prática de um crime de natureza semipública.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 226/15.2GDVFR.P1, de 11 de julho de 2018
Código Penal, artigos 40.º n.º 1, 113.º e 143.º