O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os familiares de um doente internado num hospital privado não são responsáveis pelo pagamento dos custos desse internamento que tenham ultrapassado o capital seguro quando não tenham sido atempadamente informados dessa situação.
O caso
No dia 04/08/2011, um doente foi internado num hospital privado, para tratamento de problemas cardíacos, tendo entregue, para o efeito, além de um pagamento inicial de 500 euros, um termo de responsabilidade emitido pela sua seguradora, no qual esta assumia a responsabilidade pelo pagamento da hospitalização, até ao capital disponível de 35.930 euros.
Na altura, o hospital informou o doente que o período de internamento seria entre 7 a 10 dias. Mas o internamento prolongou-se, tendo no dia 08/09/2011 sido realizada, a pedido do hospital, uma reunião com os familiares do paciente, na qual lhes foi transmitido que os valores relativos aos serviços já prestados excediam os que se encontravam inscritos no termo de responsabilidade emitido pela seguradora.
Informados desse facto, os familiares pediram junto da seguradora para que esta se responsabilizasse pelo pagamento de um valor superior, o que ela fez, assumindo o pagamento até 50.000 euros, e solicitaram a transferência imediata do doente para um hospital público. Transferência essa que não se chegou a concretizar porque, entretanto, ele faleceu apenas dois dias depois de ter tido lugar a reunião.
Em seguida, o hospital enviou à seguradora a fatura com o custo total do internamento, tendo aquela assumido o pagamento dos 50.000 euros cobertos pelo seguro. O remanescente, no valor de 38.813,88 euros, foi exigido aos familiares do doente. Estes não pagaram, alegando que o hospital, durante o internamento e apesar de eles irem visitar o doente todos os dias, nunca os informara de que os custos do mesmo estavam já fora dos limites do seguro, tendo o hospital recorrido para tribunal.
Este julgou a ação improcedente, considerando que a omissão de informação por parte do hospital relativamente ao esgotamento do capital do seguro, desonerava os familiares da obrigação de pagarem as despesas do internamento peticionada pela autora.
Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual fixou em 27.169 euros o valor a pagar pelos familiares do doente, considerando que estes eram responsáveis pelo pagamento da maioria dos custos do internamento por não terem tido o cuidado de se informarem sobre se os mesmos ultrapassavam os limites do seguro, sendo o restante assumido pelo próprio hospital, face à sua negligência ao informar tardiamente os familiares dessa circunstância. Inconformados, os familiares recorreram para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo os familiares, ao decidir que estes não são responsáveis pelo pagamento dos custos desse internamento que tenham ultrapassado o capital seguro quando não tenham sido atempadamente informados dessa situação pelo hospital.
O utente de um hospital assume a qualidade de consumidor na relação com o prestador de cuidados de saúde. Como tal, ele tem direito a ser informado atempadamente sobre os serviços e valores a pagar.
Nesse sentido, um utente que celebrou um contrato de seguro de saúde que lhe permite o acesso a um determinado estabelecimento hospitalar deve ser devidamente esclarecido pelo prestador de cuidados de saúde sobre a possibilidade de vir a ter que suportar algum custo, relativamente aos cuidados de saúde que lhe forem ministrados.
No caso, sabendo o hospital da existência do seguro e dos limites do capital coberto pelo mesmo, tinha aquele a obrigação de informar o doente e os seus familiares logo que os valores relativos aos serviços prestados fossem ultrapassados.
De facto, só o hospital estava em condições de saber e de informar o que é que previsivelmente iria ser consumido durante o internamento, o respetivo custo e sobre se o capital disponibilizado pelo seguro poderia vir a ser ultrapassado. E só perante essa informação é que o utente ou os seus familiares estariam em condições para decidir, de forma esclarecida, sobre a sua permanência no hospital ou se preferiam a sua transferência para um hospital público.
Considerando essa assimetria da informação, entendeu o STJ que não seria legítimo transferir para o utente o ónus de recolher, a cada momento, elementos sobre os cuidados de saúde prestados, o seu custo e os reflexos desse custo no capital disponível, no âmbito do seguro de saúde.
Assim, não existindo dúvidas de que o utente, se tivesse sido devidamente informado sobre o impacto financeiro da sua permanência no hospital, não teria continuado internado no mesmo, pois logo que os familiares foram informados do esgotamento do plafond do seguro, de imediato, declararam pretender a sua transferência para uma unidade de saúde pública, é de concluir que o utente não quis contratar com ao hospital a prestação de cuidados de saúde caso o seu custo viesse a exceder o montante do capital previsto no seguro.
E sendo o contrato um meio de deslocação de valores patrimoniais da esfera do devedor para a do credor, a sua vinculação só é fundamento material da prestação efetivamente contratada, pelo que nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos familiares pelo pagamento da quantia exigida pelo hospital.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1250/13.5TVLSB.L1.S1, de 5 de junho de 2018
Código Civil, artigo 1154.º e seguintes
Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31/07, artigos 2.º n.º 1, 3.º, 8.º e 9.º