O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que é anulável a deliberação tomada sobre assunto não constante da ordem de trabalhos, sem a presença de todos os condóminos ou, estando todos presentes, se estes não concordaram com a sujeição do assunto a deliberação.
O caso
Os condóminos de um prédio foram convocados para uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 26/10/2016. Da ordem de trabalhos indicada na convocatória constava a avaliação do orçamento de reparação das campainhas e da porta de entrada do prédio, a renúncia da administração de condomínio e outros assuntos.
A assembleia decorreu no dia 02/11/2016, segunda data agendada para o efeito e conforme previsto na convocatória previamente enviada aos condóminos, devido à falta de quórum verificada no dia 26/10/2016, e terminou no dia 17/11/2016, depois de ter sido suspensa para que a administradora cessante recolhesse três orçamentos junto de empresas de administração de condomínios para que fosse eleito novo administrador e aprovado o respetivo orçamento.
Nela estiveram presentes condóminos representativos de 390 votos em 1000, sem que tivesse sido endereçada qualquer convocatória a qualquer condómino para a continuação da assembleia, os quais aprovaram por unanimidade a eleição de uma empresa para administrar o condomínio e o respetivo orçamento, tendo conferido poderes ao legal representante dessa mesma empresa para livremente movimentar as contas bancárias existentes, podendo até encerrá-las e abrir novas contas onde entendesse.
Uma das condóminas, que não tinha estado presente nem se fizera representar na assembleia, ao tomar conhecimento dessas deliberações, no dia 16/12/2016, recorreu a tribunal pedindo a anulação das mesmas, através de ação que deu entrada no dia 26/06/2017.
Mas o tribunal entendeu que a condómina deixara caducar o seu direito a propor a ação de anulação, decisão da qual a mesma recorreu para o TRC, alegando que o tribunal ignorara o facto de ter pedido apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, pedido esse que impedira o decurso do prazo de caducidade.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença quanto à decisão que julgara caduco o direito de instaurar a ação, anulando as deliberações da assembleia de condóminos e condenando os réus a restituírem ao condomínio o acesso às contas bancárias e todos os documentos propriedade do mesmo, nomeadamente livros de atas e livros de recibos.
Decidiu o TRC que é anulável a deliberação tomada sobre assunto não constante da ordem de trabalhos, sem a presença de todos os condóminos ou, estando todos presentes, se estes não concordaram com a sujeição do assunto a deliberação.
Diz a lei que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação. No caso, tendo a condómina sido notificada das deliberações no dia 16/12/2016, o prazo de 60 dias terminaria no dia 16/02/2017. Acontece que, tendo a mesma pedido apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, manda a lei que a ação se considere proposta na data em que for apresentado o pedido de nomeação de patrono. Ora, tendo esse pedido sido formulado no dia 23/01/2017, é essa a data a considerar como sendo aquela em que foi instaurada a ação e não a data em que a mesma entrou em juízo. De onde resulta que, na data em que foi instaurada a ação ainda não tinha decorrido o referido prazo de caducidade.
Apreciando a validade das deliberações tomadas, o TRC entendeu que tendo a sessão da assembleia de condóminos sido suspensa para continuar noutra data, não havia lugar a uma nova convocatória dirigida aos condóminos ausentes. A sessão suspensa para continuar noutro dia é fracionada em duas partes, mas mantém-se o mesmo ato e a lei só exige a convocatória para o dia em que se inicia a sessão.
Porém, a assembleia não pode depois deliberar sobre assuntos que não constavam da ordem de trabalhos indicada na convocatória. Essa falta de indicação do assunto na convocatória acarreta a anulabilidade das deliberações tomadas, a não ser que, estando todos presentes, os condóminos manifestem a vontade de reunir-se para deliberar sobre determinado assunto. Como tal, se for tomada uma deliberação sobre assunto não constante da ordem de trabalhos sem que estejam presentes todos os condóminos ou, estando todos presentes, sem que tenham concordado com a sujeição do assunto a deliberação, a mesma será inválida.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 3125/17.0T8VIS.C1, de 20 de fevereiro de 2019
Lei n.º 34/2004 de 29/07, artigo 33.º n.º 4
Código Civil, artigos 280.º, 1432.º e 1433.º