O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que deve ser reduzido o horário de funcionamento de um bar de apoio a piscina licenciado para funcionar até às 02h00 da manhã quando o mesmo se revele excessivo, desnecessário e injustificado e dele resultem ruídos que prejudiquem o direito fundamental dos vizinhos ao repouso.
O caso
Um casal recorreu a tribunal pedindo para que fosse ordenado o encerramento de um bar com piscina, entretanto convertido em restaurante, situado perto da sua casa, pelo menos entre as 23h00 de cada dia até às 08h00 do dia seguinte, por respeito ao seu direito ao repouso, sono, sossego e tranquilidade.
Fê-lo alegando que o facto do estabelecimento funcionar até as 02h00, muito para além da hora de encerramento da piscina, gerava ruídos, não só provenientes da música, vozes e garrafas, mas também dos motociclos e veículos automóveis das pessoas que a ele se dirigiam e dele saiam, pondo em causa o seu descanso e sossego.
Mas a ação foi julgada improcedente, depois do tribunal concluir que não era possível dizer que a piscina, o bar e as zonas circundantes tivessem causado ruído suficiente ao ponto de lesar o casal, decisão da qual este recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC revogou a decisão recorrida, julgando a ação parcialmente procedente e condenando a exploradora do bar a limitar a atividade do seu estabelecimento ao período compreendido entre as 08h00 e as 24h00 e a pagar ao casal, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 500 euros por cada infração diária de futuro cometida.
Decidiu o TRC que deve ser reduzido o horário de funcionamento de um bar de apoio a piscina licenciado para funcionar até às 02h00 da manhã quando o mesmo se revele excessivo, desnecessário e injustificado e dele resultem ruídos que prejudiquem o direito fundamental dos vizinhos ao repouso.
O direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono insere-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, ou seja, no direito fundamental à saúde e à qualidade de vida.
Não se revestindo os direitos fundamentais de caráter absoluto, a grande dificuldade reside na sua concreta ponderação em caso de direitos conflituantes igualmente protegidos, nomeadamente a sua articulação com o direito à iniciativa económica e à propriedade privada.
Sendo que, por regra, em caso de conflito, efetivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de indústrias de diversão ou restauração, se impõe a preservação dos direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos.
Podendo ser reconhecida a verificação de uma violação do direito à saúde e ao descanso mesmo em situações em que o estabelecimento se encontre devidamente licenciado e os valores medidos de ruído se encontrem em níveis inferiores ao máximo permitido.
Nesse sentido, a decisão do conflito não pode prescindir nunca de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade, acerca da intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade.
No caso, estando o estabelecimento de bar ou restaurante de apoio à piscina localizado em zona residencial e devidamente licenciado para funcionar até às 02h00 da manhã, existindo queixas de ruído quando as janelas do apartamento vizinho se encontram abertas e provindo os ruídos incomodativos, não do interior do estabelecimento, que se encontra devidamente insonorizado, mas sim do exterior, com a entrada e saída de pessoas e veículos e como o funcionamento dos aparelhos de exaustão e refrigeração, prejudicando o sono e o descanso dos moradores, afigura-se excessivo, desnecessário e injustificado esse prolongamento do seu horário de funcionamento até às 02h00 da manhã.
Visando o princípio da proporcionalidade preservar, tanto quanto possível, os direitos fundamentais em colisão através da sua harmonização e otimização do meio escolhido para o efeito, a imposição da proibição de funcionamento do estabelecimento para lá das 24h00, assegurando, por um lado, o direito ao descanso e à saúde dos moradores e implicando, por outro lado, uma compressão mínima e perfeitamente razoável do direito da empresa a manter em funcionamento o seu estabelecimento comercial, afigura-se como sendo uma solução equilibrada e adequada à ponderação dos interesses em causa.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 148/13.1TBCBR.C2, de 12 de março de 2019
Código Civil, artigos 70.º e 335.º
Constituição da República Portuguesa, artigos 18.º, 25.º, 61.º, 62.º, 64.º e 66.º