O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que a inscrição de um futebolista como praticante desportivo amador não é impeditiva da existência de um contrato de trabalho entre o mesmo e o clube para o qual presta a sua atividade de futebolista.
O caso
Um futebolista recorreu a tribunal alegando que tinha sido despedido verbalmente e reclamando o pagamento de uma indemnização e dos demais créditos laborais.
O clube contestou, defendendo a inexistência de qualquer contrato de trabalho e alegando que se tratava de um atleta amador e que os montantes pagos visavam apenas compensá-lo pelo esforço realizado e lhe tinham sido entregues a título de ajudas de custo.
O tribunal julgou parcialmente procedente a ação, condenando o clube a indemnizar o futebolista, decisão da qual aquele recorreu para o TRP.
Apreciação do Tribunal da Relação do Porto
O TRP negou provimento ao recurso ao decidir que a inscrição de um futebolista como praticante desportivo amador não é impeditiva da existência de um contrato de trabalho entre o mesmo e o clube para o qual presta a sua atividade de futebolista.
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Presumindo-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem pelo menos duas caraterísticas previstas expressamente na lei: a atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; o prestador da atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma e o prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
A verificação de tal presunção transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta que é mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada apenas a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar.
No caso, estando preenchidos quatro desses cinco pressupostos previstos, e não tendo o clube logrado afastar a presunção legal, tanto basta para que se conclua pela existência de um contrato de trabalho e não de uma mera prestação de serviços.
Se o futebolista integra a equipa de futebol do clube onde participa, o local de trabalho é o campo de jogos desse mesmo clube, os instrumentos de trabalho, como equipamentos, bolas, toalhas, fatos de treino, pertencem à entidade empregadora, o jogador tem um horário para cumprir, obedece à equipa técnica, recebe retribuição em função do tempo de trabalho e está sujeito a um regulamento interno, existe um vínculo laboral.
Sendo que a essa conclusão não obsta o facto do trabalhador não ter recebido os subsídios de férias e de Natal, nem o facto de ter sido inscrito como praticante desportivo amador, quando se provou que o mesmo recebia uma retribuição mensal como contrapartida da atividade que prestava para o clube.
Na verdade, está hoje adquirido que a qualificação jurídica do contrato celebrado entre um praticante desportivo e um clube é independente de o jogador se encontrar inscrito como amador ou como profissional, de o clube participar em competições amadoras ou profissionais, bem como do facto do clube ser uma associação sem fins lucrativos, uma sociedade anónima desportiva, ou outra, relevando apenas que entre as partes exista um vínculo jurídico pelo qual o praticante desportivo preste a sua atividade de jogador ao clube, mediante subordinação jurídica e mediante subordinação económica, independentemente do montante da retribuição ser diminuto ou de grande valor.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 1694/16.0T8VLG.P1, de 14 de dezembro de 2017
Código do Trabalho de 2009, artigo 12.º n.º 1
Código Civil, artigo 350.º