O novo regulamento dirigido às entidades não financeiras sob supervisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que prevê os deveres de prevenção e combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (BC/FT), está atrasado. Este regulamento define o desenvolvimento setorial dos deveres previstos na lei que estabelece as medidas de combate ao BC/FT, a lei anti branqueamento.
A ASAE colocou em consulta pública em fevereiro a proposta para um novo regulamento que substituirá as regras que estão em vigor desde 2018 sob a forma de Guia. O diploma previa a entrada em vigor do novo regulamento a 1 de março, o que não veio a acontecer, já que o processo de consulta foi publicado com inexatidões e, por isso, republicado, no dia 21 de março.
O prazo da consulta recomeçou a 21 de março e terminará a 20 de abril (decorre agora durante 30 dias corridos).
A entrada em vigor do regulamento ocorrerá 30 dias após a data da sua publicação no Diário da República.
O aviso publicado com fevereiro para a consulta não incluía os anexos a preencher em matéria de identificação de clientes e de beneficiários efetivos, relativos ao dever de identificação e diligência, cujo objetivo é garantir a rastreabilidade das operações realizadas e intervenientes. A proposta republicada contém agora os referidos anexos com os modelos de identificação de pessoas singulares, pessoas coletivas e beneficiários efetivos.
Dever de identificação e diligência
O cumprimento do dever de identificação e diligência previsto na lei anti branqueamento obriga à identificação de clientes e de beneficiários efetivos.
Quanto à identificação de clientes, as entidades obrigadas têm um dever específico de identificação e diligência para:
- estabelecerem relações de negócio;
- realização de transações ocasionais de montante igual ou superior a 15 000 euros, independentemente de aquela se fazer numa única operação ou de várias, quando relacionadas entre si.
Este dever é aplicável também nas seguintes situações:
- quando se suspeite que as operações possam estar relacionadas com o BC/FT independentemente do seu valor e de qualquer exceção ou limiar; e
- quando existam dúvidas sobre a veracidade ou a adequação dos dados de identificação dos clientes.
A identificação de clientes é efetuada através do preenchimento obrigatório e completo do modelo 1 (estará disponível no site da ASAE) no qual deverá constar a descrição detalhada do bem transacionado ou do serviço prestado.
No caso das transações ocasionais, a identificação deve ocorrer antes da conclusão das mesmas; no âmbito das relações de negócio, a identificação deverá ser feita no prazo máximo de 30 dias após serem estabelecidas.
O modelo 1 deve ser manualmente ou digitalmente preenchido, impresso para recolha da assinatura do cliente ou representante, anexando-se os documentos que o complementem, sendo conservados por sete anos nos termos da lei anti branqueamento. Todos os campos são de preenchimento obrigatório: em caso de preenchimento incompleto, considera-se que o dever de identificação e diligência não foi por parte da entidade obrigada.
Quanto à identificação de beneficiários efetivos, a aferição dessa qualidade é feita conforme se já se prevê na lei anti branqueamento e por todos os elementos que se encontram previstos no modelo 2.
Na concretização da relação de negócio ou de uma transação ocasional de montante igual ou superior a 15.000 euros, cujo cliente seja uma pessoa coletiva ou um centro de interesses coletivos sem personalidade jurídica, as entidades obrigadas terão de preencher esse modelo 2 para efeitos de identificação do beneficiário efetivo.
Aplicam-se aqui, com as devidas adaptações, as regras de preenchimento (manual ou digital com os documentos necessários) e conservação, bem como as consequências referidas a propósito do modelo de identificação de clientes, pelo que o preenchimento incompleto é considerado incumprimento o dever de identificação e diligência pela entidade obrigada.
Entidades obrigadas
Estão sujeitas ao regulamento da ASAE enquanto entidades não financeiras obrigadas:
As que não estejam sob supervisão ou fiscalização exclusiva de outra entidade setorial, e desenvolvam certas atividades, ou seja:
- auditores, contabilistas certificados e consultores fiscais, constituídos em sociedade ou em prática individual;
- qualquer outra pessoa que se comprometa a prestar ajuda material, assistência ou consultoria em matéria fiscal, como principal atividade comercial ou profissional, diretamente ou por intermédio de outras pessoas com as quais tenha algum tipo de relação;
- prestadores de serviços a sociedades, a outras pessoas coletivas ou a centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica;
- outros profissionais que intervenham em operações de alienação e aquisição de direitos sobre praticantes de atividades desportivas profissionais;
- operadores de leiloeiras ou atividade prestamista;
- operadores nas atividades de importação e exportação de diamantes em bruto;
- entidades autorizadas no transporte, guarda, tratamento e distribuição de fundos e valores;
As que são consideradas entidades obrigadas assim que recebam um pagamento que atinja os valores mínimos de transação definidos, sendo o pagamento realizado através de uma ou várias operações, em numerário (valor da transação igual ou superior a 3.000 euros) ou através de outro meio de pagamento (valor da transação for igual ou superior a 10.000 euros). Estão aqui incluidos:
- pessoas que armazenem, negoceiem ou intermedeiem no comércio de obras de arte, inclusivamente quando o mesmo ocorra em zonas francas;
- comerciantes de bens de elevado valor unitário, como ouro e outros metais preciosos, pedras preciosas, antiguidades, aeronaves, embarcações e veículos automóveis;
- outros comerciantes e prestadores de serviço que transacionem bens ou prestem serviços;
- entidades que operem sob a forma de contratação à distância no comércio de bens ou prestação de serviços, de forma parcial ou exclusiva.
Bem de elevado valor
O regulamento define o que são bens de elevado valor unitário, já que podem constituir um risco em matéria de BC/FT, atendendo ao valor intrínseco, conjugado com o montante de transação e o meio de pagamento usado.
Estarão abrangidos bens cujo pagamento se realize em numerário em transações a partir de 3.000 euros ou através de outro meio de pagamento quando o valor da transação seja acima dos 10.000 euros. Como é hábito em matéria de BC/FT, é indiferente se o pagamento se faz numa ou várias operações.
Os bens em causa incluem:
- ouro e outros metais preciosos, pedras preciosas, antiguidades;
- aeronaves, embarcações, veículos automóveis, autocaravanas, motociclos;
- vestuário e acessórios, cosmética;
- mobiliário, equipamentos eletrónicos;
- bebidas alcoólicas;
- transações relacionadas com petróleo, armas;
- produtos do tabaco;
- artefactos culturais e outros artigos de relevância arqueológica, histórica, cultural e religiosa ou de valor científico raro;
- marfim e espécies protegidas.
Atualmente, no âmbito da sua atividade inspetiva, a ASAE considera, para efeitos do cumprimento do dever identificação e diligência, o montante total da transação, e não o valor individual de cada bem transacionado ou do serviço prestado. Portanto, o mesmo vai continuar a acontecer com o novo regulamento.
Estabelecimento físico e contratação
Quando exista estabelecimento físico ou de representação (nomeadamente uma sucursal, agência, filial ou delegação) considera-se que a atividade comercial ou de prestação de serviços se faz em Portugal.
Estão também sujeitas à lei portuguesa todas as pessoas singulares ou coletivas que exerçam atividade económica em Portugal através da modalidade de contratação à distância, independentemente da localização da sua sede, quando tenham um estabelecimento efetivo.
Um contrato celebrado à distância é celebrado entre o cliente e o fornecedor de bens ou o prestador de serviços, sem presença física simultânea de ambos, e integrado num sistema de venda ou prestação de serviços organizado para o comércio à distância; há utilização exclusiva de uma ou mais técnicas de comunicação à distância até à celebração do contrato, incluindo a própria celebração. Estão incluídas as situações em que apenas a entrega do bem ou serviço seja feita presencialmente.
Cumprimento de deveres e contraordenações
A violação dos deveres gerais e específicos definidos no regulamento constituem contraordenação e contraordenação especialmente grave, nos termos da lei anti branqueamento.
Constituem contraordenações, nomeadamente:
- a falta de documento ou registo escrito que evidencie as práticas de gestão de risco;
- a ausência de comunicação sistemática ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira de operações;
- o tratamento de dados pessoais para fins distintos da prevenção do BC/FT.
Constituem contraordenações especialmente graves, nomeadamente, a participação em quaisquer negócios de que resulte a inobservância dos limites à utilização de numerário ou a violação das regras do sistema de controlo interno.
O regulamento desenvolve deveres preventivos a cumprir na atuação das entidades, que estão previstos na lei anti branqueamento:
- Dever de controlo;
- Dever de identificação e diligência;
- Dever de comunicação;
- Dever de abstenção;
- Dever de recusa;
- Dever de conservação;
- Dever de exame;
- Dever de colaboração;
- Dever de não divulgação;
- Dever de formação.
Regras para controlo interno
O órgão de administração da entidade obrigada deve definir as políticas e procedimentos de controlo interno que permitam controlos adequados à gestão eficaz dos riscos de BC/FT a que esteja obrigada ou venha a estar exposta, e ao cumprimento das normas legais e regulamentares. Estão sujeitas a avaliações periódicas; os resultados são reduzidos a escrito e colocados à disposição da ASAE, no momento da inspeção ou sempre que seja solicitado.
A periodicidade da avaliação da eficácia das medidas de controlo é determinada pelo número de trabalhadores:
- uma avaliação a cada dois anos civis: para entidades obrigadas que empreguem até 249 trabalhadores;
- uma avaliação a cada ano civil: para entidades obrigadas que empreguem 250 ou mais trabalhadores.
As medidas adotadas no âmbito do dever de identificação e diligência podem ser simplificadas nas relações de negócio ou nas transações ocasionais, se se concluir que o risco é comprovadamente reduzido.
As políticas, os procedimentos e os controlos devem ser proporcionais à natureza, dimensão e complexidade da entidade e da sua atividade, e deve incluir:
- políticas, procedimentos e controlos na aceitação de clientes;
- um modelo de gestão de risco com identificação, avaliação e mitigação dos riscos de BC/FT a que possa estar exposta, considerando, designadamente, o volume de negócios, número de trabalhadores, zonas geográficas em que opera, meios de pagamento e procedência dos mesmos, nacionalidades dos clientes e a realização de negócio através de agentes de representação.
Devem dispor de um manual de prevenção de BC/FT com informação sobre as medidas de controlo interno a ser implementadas em todos os estabelecimentos, identificação e avaliação dos riscos concretos, procedimentos internos de controlo para mitigação dos riscos e procedimentos de conservação e tratamento dos dados.
A avaliação periódica da eficácia das medidas internas que a entidade deve realizar tem de detetar e corrigir deficiências e incidir, pelo menos, sobre os seguintes aspetos:
- modelo de gestão de risco implementado;
- qualidade e adequação das comunicações e demais informações prestadas às autoridades setoriais, policiais e judiciárias, designadamente a ASAE, a Unidade de Informação Financeira e o Departamento Central de Investigação e Ação Penal;
- estado de execução de medidas corretivas que tenham sido anteriormente determinadas.
Referências
Aviso n.º 5816/2022 - DR n.º 56/2022, Série II de 21.03.2022
Aviso n.º 3240/2022 - DR n.º 34/2022, Série II de 17.02.2022
Lei n.º 83/2017 - DR n.º 159/2017, Série I de 18.08.2017, artigos 29.º a 34.º, 51.º, 169.º e 169.º -A