O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o contabilista certificado é responsável pelos danos que cause à sua cliente ao informá-la, de forma errada e negligente, que as faturas emitidas pelo empreiteiro, referentes à construção de um edifício para venda ou arrendamento, não deveriam ser emitidas com a menção IVA a liquidar pelo adquirente e ao proceder ao pedido o reembolso desse mesmo IVA.
O caso
Em 2010, uma sociedade criada especificamente para a construção de um edifício habitacional, destinado a venda ou arrendamento, contratou os serviços de uma empresa de contabilidade.
Essa empresa demandou judicialmente, juntamente com o respetivo sócio-gerente, exigindo uma indemnização por danos sofridos em resultado do seu trabalho e dos seus conselhos.
Para o efeito alegou que a empresa de contabilidade, na pessoa do seu sócio-gerente, lhe tinha dito erradamente que as faturas emitidas pelo empreiteiro contratado para levar a cabo a construção do edifício deviam ser emitidas com o IVA a ser liquidado pelo adquirente, o que o mesmo fizera.
Em conformidade não constava das faturas a taxa legal em vigor, nem o montante de IVA que seria devido.
Também por indicação do contabilista não procedera ao pagamento de IVA, sendo que nas declarações trimestrais não constava o IVA a liquidar, mas sim IVA a reembolsar, tornando-se assim, erradamente, credora de IVA, cujo reembolso solicitou.
Alvo de uma inspeção tributária, foi-lhe instaurado um processo de contraordenação por dedução indevida de IVA, com o consequente pagamento de coimas, bem como do imposto em dívida.
Mas a ação foi julgada improcedente, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação, levando a sociedade a recorrer para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ julgou procedente o recurso, revogando o acórdão recorrido e decidindo que a atuação negligente do contabilista certificado era geradora de responsabilidade civil, ordenando a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que este se pronunciasse, em concreto, sobre os danos e sobre a indemnização pedida pela sociedade.
Decidiu o STJ que o contabilista certificado é responsável pelos danos que cause à sua cliente ao informá-la, de forma errada e negligente, que as faturas emitidas pelo empreiteiro, referentes à construção de um edifício para venda ou arrendamento, não deveriam ser emitidas com a menção IVA a liquidar pelo adquirente e ao proceder ao pedido o reembolso desse mesmo IVA .
Constitui obrigação estatutária do contabilista certificado cumprir os deveres funcionais da sua profissão, organizando, planificando, coordenando e executando a contabilidade da cliente, com autonomia técnica, idoneidade e integridade, e assumindo a responsabilidade quando a contabilidade não se apresente de forma regular, bem como pelo cumprimento defeituoso das normas contabilísticas e fiscais.
Sendo que um contabilista certificado não pode dissociar-se da sua autonomia técnica e deixar de orientar a sua atuação pelos princípios da integridade, idoneidade, independência, responsabilidade e competência que, no exercício da profissão, deve respeitar.
Além disso, executar a contabilidade não é apenas tudo o que tem a ver com organização e arquivo de documentos contabilísticos e fiscais, com o seu lançamento nos respetivos livros contabilísticos e apuramento de impostos a pagar, mas também projetar e estabelecer medidas que assegurem que as entidades a quem prestam serviços cumpram as suas obrigações em matéria de execução da contabilidade e nas suas relações com a Administração Tributária e que sejam, também, convergentes com a melhor satisfação dos interesses dessas entidades.
Devendo o contabilista certificado na relação com a entidade a que presta serviços desempenhar sempre conscienciosa e diligentemente as suas funções, pois que o cliente, ao contratá-lo, espera dele competência e diligência no exercício das respetivas funções.
No caso, tendo o contabilista acompanhado a inscrição da sociedade cliente no serviço de Finanças para início de atividade, desde esse momento deveria aconselhar o modo de, cumprindo as obrigações fiscais, a sociedade cliente poder obter contas mais favoráveis. E conhecendo a atividade única da sociedade devia, de forma diligente, tê-la informado que as faturas emitidas pela construtora não deveriam ser emitidas com a menção IVA a liquidar pelo adquirente, assim como não podia ter pedido o reembolso do IVA em nome da sociedade.
A não observância dos deveres deontológicos do contabilista certificado, além das consequências que possa acarretar a nível disciplinar para com a Ordem dos Contabilistas Certificados, não o isenta da responsabilidade civil que dessa inobservância possa resultar para o cliente.
Para que dessa atuação negligente não resultasse responsabilidade civil para o contabilista certificado este teria de provar que agiu de forma integra, idónea e responsável e que foram os clientes que não quiseram acatar as suas orientações de planificação, organização e coordenação que na execução da contabilidade lhes indicava. Não o tendo feito, verificam-se os pressupostos da responsabilidade civil contratual, estando o contabilista obrigado a indemnizar a sociedade cliente pelos danos que lhe causou em resultado dessa sua atuação negligente.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 5241/17.9T8CBR.P1.S1, de 20 de abril de 2022
Estatuto da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, artigo 6.º n.º 1
Código Deontológico dos Técnicos Oficiais de Contas, artigos 3.º e 5.º