O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os ficheiros eletrónicos registados junto da Administração Tributária (AT) não possuem força probatória plena.
O caso
A massa Insolvente de uma alfaiataria intentou uma ação contra uma sociedade unipessoal reclamando o pagamento de 33.973,14 euros em dívida, referentes a um conjunto de mercadorias e materiais que a alfaiataria lhe tinha fornecido.
A sociedade contestou alegando que nada devia e que a massa insolvente não identificara quais as mercadorias e materiais que tinham sido fornecidos, nem as datas em que os mesmos tinham sido alegadamente entregues.
A ação começou por ser julgada procedente, mas, após diversos recursos, o Tribunal da Relação alterou a matéria de facto, dando como não provada a emissão das faturas invocadas pela autora e julgando improcedente a ação, com a consequente absolvição da sociedade.
Desta decisão foi interposto recurso para o STJ.
Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça
O STJ julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão do acórdão recorrido, ao decidir que os ficheiros eletrónicos registados junto da Administração Tributária (AT) não possuem força probatória plena.
Pelas regras do ónus da prova, cabia à vendedora fazer prova dos factos constitutivos do seu direito, não sendo para o efeito suficiente a mera alegação e prova da emissão de faturas em nome da ré, nem a alegação e prova genéricas de que, no âmbito da sua atividade comercial, lhe fornecera um conjunto de mercadorias e materiais. A alegação e prova dos factos constitutivos do direito que a autora pretendia exercer implicaria a concretização das mercadorias e materiais fornecidos, estabelecendo a correspondência entre cada uma das faturas emitidas e essas mercadorias e materiais. Não tendo cumprido esse ónus, a sua pretensão teria sempre de soçobrar, não sendo exigível à ré que fizesse prova do pagamento dos bens fornecidos.
É certo que a decisão da primeira instância tinha dado como provada a emissão das faturas, considerando que permitiam dar como provada a relação contratual entre as partes. Este entendimento, porém, caiu pela base, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, depois do Tribunal da Relação ter dado como não provado esse facto.
Tudo porque os ficheiros eletrónicos registados junto da AT não possuem força probatória plena e, ainda que sejam equiparáveis a documentos particulares, a sua força probatória plena circunscreve-se aos factos que forem contrários aos interesses do declarante.
Assim, a decisão do Tribunal da Relação de alterar a matéria de facto, dando como não provada a emissão das faturas invocadas pela autora, não desrespeitou nenhuma regra de direito probatório material ou processual.
Referências
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 56347/19.8YIPRT.P1.S2, de 30 de novembro de 2022
Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 02/08, artigo 3.º n.º 2
Código Civil, artigo 376.º n.º 2