I– O artigo 2223º do Código Civil destina-se a salvaguardar a validade do testamento celebrado por português no estrangeiro, em conformidade com as prescrições exigidas pela lei aí vigente, respeitando o princípio de que é à lei do lugar onde o acto se realiza que compete regular a sua forma externa (locus regit actuam), impondo, porém, que o negócio revista o carácter solene, o que basicamente se traduz na intervenção de entidade dotada de fé pública, seja na elaboração da disposição de última vontade, seja na aprovação por mera delibação das disposições lavradas pelo declarante.
II– O disjuntivo “ou” inserto na citada disposição legal significa precisamente que a exigência de solenidade terá que estar presente ou na feitura, ou na aprovação do testamento pela entidade dotada de fé pública.
III– Nos termos do artigo 2223º do Código Civil, o testamento feito por português no estrangeiro, onde reside, e de acordo com a lei desse lugar, é formalmente válido e, nessa medida, produz os seus efeitos em Portugal, desde que reduzido a escrito – excluindo-se portanto a validade dos testamentos nuncupativos – e se for acompanhado na sua feitura, directa e presencialmente, por funcionário dotado de poderes de fé pública – normalmente um notário -, seja na fase da sua elaboração pelo testador (texto, data e assinatura), seja, em alternativa, na fase posterior da sua aprovação pelo dito agente público.
IV– Esta leitura da disposição legal, não exarcerbando em demasia, exageradamente, as exigências de forma, é aquela que concorre no sentido da conservação do negócio jurídico celebrado de acordo com a vontade expressa do testador e em conformidade com a lei da celebração do acto, permitindo que a mesma se concretize em toda a sua plenitude, com natural prevalência sobre as regras da sucessão legítima, por natureza meramente subsidiária, e desde que exista uma garantia segura de autenticidade e fidedignidade do acto, o que é transmitido pela intervenção de um funcionário com poderes de fé pública durante toda a sua realização ou através da posterior aprovação do testamento.
V– A solenidade exigida pelo artigo 2223º do Código Civil satisfaz-se com a celebração do testamento por português em cartório notarial sito em França, onde o testador reside habitualmente, quando o acto é inteiramente presenciado e orientado por notário que recebe o testamento das mãos daquele, devidamente redigido, datado e assinado, guardando-o no seu cofre forte, em plena conformidade com a lei civil francesa.
VI– A observância destas concretas formalidades, que revestem carácter solene, não deixa a menor dúvida quanto às reais e efectivas intenções do autor da sucessão ao produzir aquela disposição de última vontade que, nessa mesma medida, com respeito pelo apuramento e satisfação da mesma e na defesa do princípio da conservação dos negócios jurídicos, deverá ser acatada e tornada eficaz em Portugal, não obstante a tentativa de alguns familiares - que com ele não mantinham relação próxima alguma (designadamente uma irmã consanguínea com quem não se dava regularmente) - em procurar, fundada em argumentário estritamente formal, construído sobre a dúvida e a nebulosa especulação, e na aplicação das regras subsidiárias da sucessão legítima, frustrá-la e paralisá-la, tudo em benefício próprio e obviamente contrário à vontade do decujus.
Processo n.º 835/06.0TCSNT.L1-7