O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que é válido e eficaz em Portugal o testamento celebrado por português em cartório notarial sito em França, quando o ato seja inteiramente presenciado e orientado por notário, que recebeu o testamento das mãos daquele, devidamente redigido, datado e assinado, guardando-o no seu cofre forte, em plena conformidade com a lei civil francesa.
O caso
Poucos meses antes de morrer, um português a residir em França, divorciado e sem filhos, dirigiu-se a um notário em Paris para redigir o seu testamento, o que fez sob orientação do notário, o qual guardou o testamento no seu cofre-forte. Nesse testamento nomeou seus herdeiros universais a sua ex-mulher e o filho desta, fruto de uma outra relação.
Ignorando esse testamento, a irmã do falecido outorgou escritura de habilitação de herdeiros onde declarou ser a sua única herdeira por não haver mais descendentes, nem ascendentes. E recorreu a tribunal exigindo para ser reconhecida como única proprietária de um imóvel em Portugal.
Mas o tribunal julgou a ação improcedente, absolvendo os réus e declarando que estes eram herdeiros universais do falecido, por sucessão testamentária, bem como a falsidade da escritura pública de habilitação de herdeiros. Desta decisão foi interposto recurso para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou improcedente o recurso ao decidir que é válido e eficaz em Portugal o testamento celebrado por português em cartório notarial sito em França, quando o ato seja inteiramente presenciado e orientado por notário, que recebeu o testamento das mãos daquele, devidamente redigido, datado e assinado, guardando-o no seu cofre forte, em plena conformidade com a lei civil francesa.
A lei salvaguarda a validade do testamento celebrado por português no estrangeiro, em conformidade com as prescrições exigidas pela lei aí vigente, respeitando o princípio de que é à lei do lugar onde o ato se realiza que compete regular a sua forma externa, impondo, porém, que o negócio revista o caráter solene, o que basicamente se traduz na intervenção de entidade dotada de fé pública na sua elaboração ou aprovação.
É essa intervenção de oficial público com funções notariais que marca o sinal mínimo de autenticidade ou de solenidade exigido pela lei.
Assim, o testamento feito por português no estrangeiro, onde reside, e de acordo com a lei desse lugar, é formalmente válido, produzindo os seus efeitos em Portugal, desde que reduzido a escrito e acompanhado na sua feitura, direta e presencialmente, por funcionário dotado de poderes de fé pública, normalmente um notário, seja na fase da sua elaboração pelo testador, seja, em alternativa, na fase posterior da sua aprovação pelo dito agente público.
Pelo que deve ser considerado válido o testamento feito por um cidadão português em cartório notarial em França, onde o mesmo residia habitualmente, na presença e sob orientação do notário que manteve o testamento guardado no seu cofre forte, em conformidade com a lei francesa. A observância destas formalidades, que revestem caráter solene, não deixa a menor dúvida quanto às reais e efetivas intenções do autor da sucessão ao produzir aquela disposição de última vontade que, com respeito pelo apuramento e satisfação da mesma e na defesa do princípio da conservação dos negócios jurídicos, deverá ser acatada e tornada eficaz em Portugal, não obstante a tentativa de alguns familiares, que com ele não mantinham relação próxima alguma, em frustrá-la e paralisá-la, tudo em benefício próprio e contrário à vontade do falecido.
Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 835/06.0TCSNT.L1-7, de 24 de setembro de 2019
Código Civil, artigo 2223.º